domingo, 6 de abril de 2014

[Overrun: A Lenda dos Sete] Continuação do Capitulo 18

Algo dentro do meu subconsciente estala toda vez que chego perto de contar sobre o sonho com alguem. Um frio na barriga tao grande como se eu estivesse prestes a ser atingida pela flecha daquela escultura. Depois de muito pensar decido chamar Marcelo e o puxo para fora. Nos sentamos no banco ao lado da casa e ele parece calmo e relaxado. A brisa bagunça seu cabelo loiro e seu semblante é quase alegre. Procuro as palavras certas a dizer, mas elas acabam simplesmente saindo.
- Eu tive um sonho como voce disse.
- Me conte.
- A cidade de ferro e fogi se chama Konder.
Ele se mexe desconfortavel e por um segundo parece assustado.
- Voce disse Konder?
- Sim. Eu vi um portal com essa inscriçao. Dizia tambem que é a cidade dos anjos arqueiros.
Seu semblante parece pensativo e distante quando ele volta a falar.
- Eu ja havia imaginado, mas esperei voce ter a confirmacao. Os anjos arqueiros foram criados para ajudar no dia da batalha final. Mas dizem que eles meio que se rebeleram e estao trancados nessa cidade. Nao sabemos se eles irao cooperar ou nos deixar entrar.
- Foi bem isso que eu pensei quando vi uma escultura raivosa apontando uma flecha para a entrada. Parecia que ela iria criar vida.
- Quem sabe... Voce viu mais alguma coisa que possa nos indicar onde ela fica?
- Eu vi uma aguia e foi por causa dela que vi a imagem atraves do portal. Fora isso, apenas um deserto circundado de montanhas.
- Nao deve ser aqui. Pode ser outro portal, mas aqui deve haver um tambem. Teremos que esperar.
- Eu nao aguento mais esperar. Isso me angustia.
Seus olhos azuis encontram os meus e eles sao tao calmos quanto o mar em um fim de tarde. Tem uma paz neles que me faz sentir que qualquer pensamento triste parece em vao.
- Tudo em seu tempo, Laura. Nos chegaremos la. Voce nao sabe o que nos espera la para desejar tanto assim poder chegar la. Talvez voce desejasse nunca sair daqui.
- Eu nao quero sair. Nunca quis. Eu so quero que acabe logo.
- Ainda nem começou, pequena. Tenha paciencia. Trabalhe isso ate la.
- Para voce é facil falar. É um anjo trabalhado na perfeicao.
- Nao somos perfeitos, Laura. Somos corruptiveis. So existe dois seres perfeitos. Voce sabe.
Bufo chateada e ele ri de mim. Suspiro e me ergo lhe dando um olhar desconsolado.
- Entao, deixa eu voltar a dormir para ver se eu descubro mais alguma coisa.
- O que foi que eu te disse? Paciencia. Nao sera quando voce quiser. Relaxe e aproveite...
Ele desaparece em um rastro de nevoa e quase posso ouvir ele terminando a frase. ...aproveite enquanto pode.

                         +++

Fico sentada ali jogando pedras no outro lado da rua ate o ceu mudar para seu tom escuro. As estrelas brilham tao distantes e ainda assim tao fortes e tao presentes. Como o meu destino que mesmo parecendo indefinido se mostra tao presente no meu dia a dia. Suspiro e nao consigo me sentir aliviada. Nao consigo me sentir segura. Como se um poderoso olhar estivesse diretamente sobre mim aguardando pelo meu proximo passo.
Encosto minha cabeça no banco e olho para uma estrela mais brilhante entre as outras. Ela começa a se expandir fracamente e fico estatica. Passo os dedos sobre os olhos em uma tentativa de melhorar minha visao, mas ela ainda esta la, crescendo aos poucos. Fecho meus olhos quando ela parece me ofuscar e quando os abro estou no meio de uma clareira rodeada por uma floresta seca. O ceu esta em um tom de laranja cinzento e ondr deveria haver grama aos meus pés, a terra esta rachando. Noto algo cair do ceu e o pego entre meus dedos. Uma cinza. Quando ergo meu rosto percebo que elas caem aos montes ao meu redor formando uma camada de cinzas sobre o chao e sobre mim. Sinto uma fraqueza repentina e minhas pernas tremem. Caio de joelhos sobre as cinzas e elas voam ao meu redor em um redemoinho. Fecho os olhos e os abro para a realidade.
Ainda estou mirando a mesma estrela, mas agora ela esta no seu tamanho natural. Ouço uma voz suave e viro meu rosto em direcao a ela. Jefferson  esta sentado ao meu lado com uma de suas maos sobre meu ombro. Ainda me sinto desnorteada por contacda visao e demoro para entender o que ele diz.
- Laura, vamos para dentro. Esta na hora do jantar.
- Ah, tudo bem.
- Voce nao parece bem. O que houve?
Ele toca meu rosto de leve e parece assustado. Coloco minha mao sobre sua camisa em seu peito para ver se estou mesmo no mundo real.
- Nao foi nada. Podemos ir agora?
Ele me acompanha de perto ate a casa e seus olhos nao fogem de mim por nenhum segundo. Olho novamente para o ceu procurando pela estrela, mas ela ja nao esta mais la.
Nos sentamos junto com os outros e saboreamos nossa comida. Ou pelo menos, tento. Nao consigo assimilar o sabor em minha boca com meus pensamentos agitando todo o meu interior. O que pode significar aquela visao? Cinzas caindo do ceu em uma regiao arida? Decido contar a todos quando acabarem de comer. Mesmo Leandro e Marcelo nao precisando se alimentarem, eles permanecem o fazendo. Como se eles quisessem nos deixar mais confortavel. Para ver se esquecemos o que somos por um tempo. Quando Jefferson da a ultima garfada e eu ainda estou longe de chegar na metade do que coloquei em meu prato, finjo tossir para chamar-lhes a atencao. Mecho insistentemente com o garfo em um pedaço de batata enquanto sinto os olhares deles sobre mim esperando pelas minhas palavras.
- Eu tive uma visao.
Direta. Sem enrolacoes.
- Mais ja? Eu esparava por mais um tempo. - diz Marcelo.
- Talvez nao tenhamos mais tempo. - resmunga Leandro.
- Conte o que voce viu. - Jefferson pede ansioso ao meu lado.
- Eu estava em um lugar inospito e cinzas caiam aos montes ao meu lado. Para mim nao faz sentido algum, mas tenho a impressao que seja a pista para o lugar onde fica a cidade...
- Que cidade? - Leandro e Jefferson indagam em coro.
- Creio que nao seja adequado falar agora. - Marcelo diz me dando um olhar acusatorio.
Como se eu pudesse saber o porque de ele querer esconder essa informacao. Decido ficar em silencio mesmo sem saber o motivo pelo qual devo me conter.
- O que voce acha que isso quer dizer, Marcelo? - pergunto.
- Eu nao sei. - ele coça o queixo pensativo olhando para seu proprio prato. - Cinzas... A nao ser que... Compreendo!
Seu olhar encontra o meu e em seus olhos azuis quase posso ver a resposta para minha pergunta e algo se agita em meu peito.
- O Bosque das Cinzas! - falo quase gritando e me levanto da cadeira em um rompante.
Como eu pude nao ter visto antes. A entrada para a Cidade dos Arqueiros fica em algum lugar do meu bosque. Em meio as minhas cinzas.

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