quarta-feira, 30 de julho de 2014

[Belnegro] Parte II - Contenção / Capitulo 8


                   Parte II
                  Contenção
                                 
"O esquecimento da dor vem da superação do medo. Mas, o esquecimento do passado vem da decisão de seguir a diante."

              Jean Deen, 2071.

  
                   Capitulo 8

                                   Holtz

Olho para três pastas sobre minha mesa. Elas guardam os meus mais novos fantasmas. Três inimigos, o que significava a volta de um antigo medo que eu cultivava. Nao havia como me livrar dele. Nem deles. Eu sentia meu sangue ferver e a raiva aumentar quando olhava para elas, mas ainda assim  estava sempre com elas por perto.
Eu tentei de todas as formas suprimir os antigos erros. Eu juro que tentei. Criei leis que previam qualquer minimo detalhe fora da linha que eu tracei, construi barreiras, encurralei toda uma nacao. Mas eles ainda conseguiam chegar ate mim. Ainda assim me desafiavam. Eles estavam tentando usar minhas proprias armas contra mim. Estavam conseguindo, e isso me deixa ao mesmo tempo com um odio mortal, e um medo crucial.
Porem, dois podiam dar as cartas. Eu nao podia mata-los porque daria um martir a revolta, nem prende-los por que daria o mesmo resultado. Mas, eu ainda comandava o pais. Tinha inumeras pessoas aos meus pes que fariam qualquer coisa por poder e dinheiro. Eu ainda tinha armas que eles desconheciam. Nao seria a velha fracassada que eles esperavam. Ate meu ultimo suspiro estarei lutando pelo que acredito. Nunca mais darei chance a eles de ganhar uma batalha.
Pego uma das pastas, e a abro. Me ajeito na poltrona e leio novamente as palavras que sei de cor. A pasta que contem a vida de um homem que tenta trazer os holofotes para si de qualquer maneira. Um homem louco. E por isso, ele é o pior deles, e suponho que um dos 11 lideres dos Dissentes com mais influencia. Ele tem se movimentado pelos estados como um rato pelos esgotos da cidade. Uma unica vez, ele foi visto de relance por um soldado, mas fugiu. Nao pude fazer nada por falta de provas. Nenhuma gravacao ou foto. E o soldado estava de folga e sozinho. Nem ao menos chegou a aborda-lo. Para dar uma licao aos outros tive que mandar executa-lo. Nao podia aceitar pessoas fracas me servindo. Os outros dois lideres tambem conseguiram fugir da mesma maneira, e nao pude mandar prende-los por qualquer pretesto porque daria gás a causa deles. O unico jeito seria mata-los em uma emboscada e por a culpa em qualquer outra pessoa. Mas ate isso estava dificil. Eles sao espertos.
Algo me deixa inquieta em relacao a esse homem. Nenhum dos outros permitia que suas familias chegassem ao menos perto de mim. Nenhum deles teve filhos na Universidade. Mas, ele mandou seu unico filho para debaixo dos meus olhos. Eu nao sabia o que ele pretendia com isso, mas nao devia ser nada de bom. Ainda mais que eu conheco tudo sobre eles.  Tenho pessoas os vigiando, e a sua familia 24 horas por dia. Quando me foi relatado que o filho dele entrou na escola enviei soldados de confianca para ficarem de olho nos resultados dos seus testes. Assim que vi o seu potencial, redobrei minhas expectativas. Talvez eu pudesse usa-lo contra eles. Depois do resultado do teste final em que ele ganhou a vaga para um dos postos de alta confianca e responsabilidade, dei um jeito de ele ter que assumir o cargo o mais rapido possivel. Em um piscar de olhos o seu auxiliar desapareceu e tudo estava conforme os meus planos.
Agora preciso saber o que a que ele sabe. Suponho que seu pai tenha contado alguma coisa sobre sua vida paralela ou nao teria o enviado diretamente para onde tenho mais influencia. Mas tudo tem um jeito. Mostrarei a ele, um lado que nao lembro de ter usado um dia. Farei ele confiar em mim com mentiras, me mostrarei uma pessoa emocionalmente abalada e caridosa. Farei com que ele tenha tanta pena de mim que duvide do pai. Colocarei ele em um muro de duvidas. Mostrarei a ele quem esta no controle. Nao sei se ele é minha penultima chance de controla-los, mas apostarei tudo nisso.
Os Dissentes não sao como os antigos Protestantes. Eles tem uma base mais firme, o que me assusta. Eles podem fazer as pessoas verem razao em suas palavras e entao eu estaria perdida. Mesmo com leis, barreiras, soldados, como eu daria conta de um mar de pessoas revoltadas em todo lugar? Seria uma catastrofe. Entao, enquanto eles se organizam tenho que fazer o possivel para deixar tudo na linha enquanto penso em uma maneira de contornar essa situacao. Dou pequenas oportunidades aqui e ali, sou mais flexivel em infracoes menores, e tento sempre conciliar tudo com discursos que enfatizem os dias escuros. Sempre se pode trazer a lembranca do caos a tona para manter a chama do medo viva dentro de cada um deles. Ela ainda arde em mim.
Sempre imaginei que a vingança me traria alguma paz, mas ela precisa de punhos fortes todos os dias. Ainda lembro de correr as pressas deixando minha mae para tras. Ela lutou ate o fim. Morreu com dignidade. Mas nao pude fazer nada para ajuda-la. Entao, eu senti culpa, e depois odio de todos eles. Ela havia tentado trazer a paz ao país no meio da desordem absoluta. Tentou fazer o antigo sistema continuar a funcionar. Porem, tudo ruiu aos seus pes pelas maos dos Protestantes. Jurei a mim mesma nunca mais deixar aquilo voltar a acontecer. As pessoas nao mereciam liberdade. Elas nao sabiam o que fazer com ela. Nada de bom vinha de ser livre.
Contudo, eles nao entendiam meus motivos. Nao viam a verdade. Nao percebiam de onde surgiu aquelas antigas dificuldades. Mas, eu sabia onde estava a raiz do problema. Estava na democracia. Em deixar as decisoes nas maos das pessoas. A NL foi a salvacao do país. De todos nós. Eu nao deixaria que ninguem quebrasse isso.
Pego as pastas e as coloco dentro de uma das gavetas da minha mesa. Passo meu cartao na tranca de seguranca para evitar bisbilhoteiros. Clico em um dos botoes da tela touch screen acoplada ao vidro da mesa. Imediatamente, um soldado entra no recinto.
- Sim, presidente Holtz. Em que posso ajudar.
- Diga ao Tenente da Secao C da Universidade Secundaria para vir falar comigo imediatamente.
- Claro. É so isso?
Faco um gesto com a mao para que saia. Ele faz uma reverencia e me deixa a sós. Preciso colocar meu plano em pratica o mais rapido possivel. Preciso manter meu braco firme antes que seja tarde. Apartir dai posso trabalhar em alguma ideia para dobra-los as minhas vontades.
Observo sobre a mesa uma papelada enorme esperando minha inspecao. Registros das Secretarias sobre o movimento dos Dissentes aos quais o acesso é restrito. Poucas pessoas que trabalham para mim tem conhecimento que algumas pessoas nos Estados tramam um boicote. Abro a pasta do Estado L. Nenhum assassinato de pessoa influente, nenhuma pessoa presa por envolvimento com eles. Nem sequer uma palavra dita contra mim em voz alta. Mesmo que eu os vigie, eles encontram frestas. Tenho consciencia que gente de dentro esta os ajudando. Fica dificil apontar nomes. Ninguem quer delatar um amigo ou conhecido.
Abro a proxima pasta, a do Estado D. Um policial da PFAC morto, sem vestigios, sem um criminoso preso; um assistente da Secretaria desaparecido. Eles atuam com pistas que apenas eu poderia entender. Sei que essas mortes mais recentes foram provocadas por eles em um sinal de alerta. Matam as minhas pessoas de confianca. Ate mesmo as que coloco para os vigiar.
No inicio, meu regime parecia solido. Opressao, isolamento, poucas oportunidades, todos sujeitos a mim. Parecia que eu poderia levar isso adiante para sempre. Pensei que nunca mais ninguem ousaria querer voltar aos conflitos dos dias escuros. Sinto como se meus dias estivessem contados. Apesar do medo, eles estao se levantando aos poucos. Estao ganhando mais aliados as escondidas. E posso fazer pouca coisa para mudar isso. Nao conheco todos os lideres, nao sei quem sao as pessoas do meu convivio que os estao ajudando, nao posso mata-los e dar um motivo para se erguerem rapidamente, e o caos se instalar. Nao posso colocar minha vida em risco. Minha mae tomou atitudes drasticas e foi morta. Preciso tomar as minhas com cautela. Tentar contorna-los e voltar a subjuga-los sera a minha ultima esperanca de levar isso adiante. Sei que eles jamais me atacariam tendo um dos seus em minha mira e, por isso, os outros tambem nao o fariam. Mesmo que fossem me atacar, isso levaria tempo, e eu ganharia o meu para juntar forcas. Poderia conseguir aliados militares em outros paises.
Ainda assim, preciso pensar em um Plano B. E talvez uma ideia que venho pensando a muito tempo seja minha ultima cartada. Nao pretendo me entregar sem deixar uma marca em todo o país. Historias seriam contadas sobre mim perpetuamente se eu executasse essa ideia. Seria uma catastrofe maior do que a que minha mae havia trazido sobre si. Significaria o fim de Belnegro. Minha vinganca estaria entao completa. Eu morreria contente se antes pudesse ve-los sem esperanca. E de apenas uma pessoa depende a minha decisao. Ele tem nas suas maos a chave para manter tudo como esta ou comecar o caos total. Veremos o que escolherá porque apenas a pratica da lei poderia nos manter a favor da paz. E a lei é a minha palavra.

                                      

Alice

Passei a tarde inteira subindo e descendo do carro da PFAC com Lucia ao meu lado. Vimos predios e mais predios por toda a cidade, mas verdade seja dita, cada um parece uma obra de arte unica, feita de metal e vidro. Fomos a museus onde mostram tecnologias usadas no passado, objetos, culturas que nao existem mais em diversos hologramas; fomos a uma livraria do governo onde nao existe nenhum livro fisico. Basta levar um celular,tablet ou G-Reader para baixar os livros permitidos. Apenas os titulos publicados de 2068 para cá nao foram proibidos. Os que eu guardo em casa sao raridades que jamais alguem de hoje leu, e nem pensa em fazer. Eu poderia ser presa a qualquer momento por te-los.
Fomos tambem a uma biblioteca enorme. So aqui no A elas existem e qualquer pessoa pode utiliza-la gratuitamente. É um sonho. As estantes estao abarrotadas de G-Readers com diversas obras, mas nenhuma delas é proibida. Nao existem distopias, ficcao cientifica, romances policiais. Eu entendi o significado desses termos a partir do momento em que meu pai me deu alguns livros com esses temas e me explicou porque eram proibidos. A presidente nao queria que nenhum cidadao ao menos pensasse sobre uma revolta ou um regime diferente. Sempre perguntei a ele porque queria que eu le-se livros proibidos que poderiam me prejudicar. Ele sempre ficava com o olhar perdido e desconversava.
Cheguei a pouco no condominio e dei de cara com um jornal sobre minha cama. Tomei banho, e comi qualquer besteira. Agora, estou olhando a capa do Dias Belnegro. O titulo da materia é O País comemora junto com os APs. Depois de varios topicos que comentam a comemoracao, vem as entrevistas. Vejo ao lado da minha, uma foto em que estou ao lado da colunista no momento da entrevista. Nem percebi quando foi tirada. Atiro o jornal sobre a escrivaninha enquanto refaco a minha conversa de mais cedo com Wellington em minha mente.
Agora eu teria duas coisas com as quais me preocupar a todo instante. Manter a calma para evitar visoes, e ainda tentar prestar atencao nas pessoas ao meu redor. Mas, como posso fazer isso se raramente consigo olhar para o rosto de alguem por muito tempo sem me descontrolar? Talvez, eu devesse contar ao meu pai sobre isso. Ele saberia o que eu devo fazer. Mas, o pior é que nao posso. Devo estar sendo vigiada 24 hrs por dia como todos os outros estudantes. É estranho pensar que os Protestantes podem existirem e estarem tramando por debaixo dos panos. É tudo que Eduardo queria. Se ele soubesse, aposto como iria atras deles querendo participar. Eu nao consigo imaginar como seria se eles comecassem uma guerra. Pessoas sendo mortas em todo lugar. A presidente deve ter um plano guardado para por em pratica em casos assim. E ainda tem as barreiras e muralhas. Como a alcancariam? Ninguem faz ideia de onde ela vive.
Porem, isso nao é problema meu. Nao sou uma deles. E nem pretendo arriscar ainda mais minha vida por uma causa que ja esta mais do que derrotada. Eles levariam anos para juntar forcas e armas o que daria muito tempo a presidente de descobrir sobre eles e contraatacar. Suspiro. Nao sei nem porque perco meu tempo pensando nisso.
Preciso entrar em contato com meus pais. Devem estar ansiosos por noticias minhas. Me levanto rapidamente, e vou em direcao a escrivaninha. Nao a nenhum computador ou notebook sobre ela. So alguns livros didaticos, canetas, um abajur daqueles reclinaveis e... uma esfera cravada na madeira. Parece um olho magico daqueles antigos que se colocava em portoes para ver quem estava do outro lado. Toco nele com as pontas dos dedos, mas nada acontece. Aperto, e tambem nada. No momento em que passo a mao sobre ele, uma luz azul acende em um circulo ao seu redor, e um holograma aparece em minha frente. Uma tela de computador. WOW. Quando Alexia ver isto, ela vai pirar!
Varios icones aparecem na projecao como em uma tela touch screen. Aproximo o indicador do simbolo de internet tocando praticamente atraves dele, mas o movimento é detectado e o icone pisca. Uma janela do site de pesquisas Roole é aberta quando me lembro de ter visto o icone do Pikpe na tela principal. Saio do site, e clico no P em um circulo azul na tela. Me assusto quando vejo uma foto dos meus pais e o nome familia ao lado. Meus olhos marejam de saudades. E, por incrivel que pareça, eles ou um deles, esta online. Abro a conversa em video e espero eles aceitarem a conexao.
Uma imagem do meu quarto aparece na tela e suspiro de saudades. Depois de alguns segundos, Amarilis se aproxima apontando para a tela e vejo o rosto do meu pai aparecer no canto esquerdo.
- Filha, é voce mesma? - ele pergunta.
- Claro! Desculpem nao ter entrado em contato antes. Estava... ocupada.
Os olhos dele estao cheios de lagrimas. Aliviado como se achasse que eu tinha sido levada
- Entendemos, querida! - ele responde. - Nao faz nem um dia que voce saiu e ja sentimos muito sua falta.
- Deixe ela contar como foi seu dia, Eduardo. - Amarilis ralha. Rio. - Nos conte o que tem achado daí.
- Ah! Nos a vimos na BelTv! - mru pai diz orgulhoso. - Voce falou muito bem. Achamos que deu uma boa impressao.
- Tambem tem uma pequena entrevista minha no Dias Belnegro. - respondo.
Meus pais se abracam olhando para mim.
- Estamos com tanto orgulho de voce, Alice. - meu pai diz. - Esta gostando de tudo por aí?
Ele pergunta ansioso.
- Sim. É tudo lindo por aqui. A Universidade é gigantesca. Muito maior do que vemos pela tv. A Presidente Branca esteve na cerimonia e fez um discurso. - suspiro. - E fiz um tur pela cidade e pela universidade.
- Parece excitante! - Amarilis diz r estranho sua verbalidade. - Entao, tudo ok?
- Sim.
Sinto uma vontade enorme de falar a sos com meu pai e lhe contar tudo que sei. Ele me daria um bom conselho. Ele saberia o que fazer. Encontro seu olhar na tela e vejo que ele sentiu minha apreensao.
- Preciso dormir. Amanha levantarei cedo. - digo.
- Tudo bem, filha. Nao nos deixe sem noticias. Amamos voce. - meu pai fala.
- Tambem amo voces. Boa noite.
Desligo a conexao e me sinto arrependida. Nao gosto de esconder nada dele. Ainda mais algo tao importante assim. Mas, é melhor nao preocupa-los. Tenho que saber lidar sozinha com dificuldades. Como poderei me tornar uma adulta se depender deles para tudo?
Com alguma dificuldade encontro o icone para desligar o "computador" e o holograma desaparece. Olho para o meu relogio de pulso. 21:30 hrs. Visto meu pijama que ainda esta com cheiro de casa e me estico na cama me sentindo mais cansada do que o possivel. O sono me encontra rapidamente.

                       +++

Desperto subitamente quando ouco passos e vozes acaloradas em frente a porta do meu quarto. O corredor esta iluminado, e sombras fabtasmagoricas entram pela fresta embaixo da porta de metal. Meu coracao bate veloz, a adrenalina percorrendo meu corpo. Sinto minha pulsacao vibrando atraves das veias. Me sento e me encolho na cama tentando distinguir as palavras que os homens dizem, mas nao consigo compreende-las. Eles falam rapidamente, e uns por cima dos outros. É assustador.
Fecho os olhos e so consigo pensar em uma coisa. Eles descobriram. A porta se abre subitamente, e abro meus olhos assustada. Tres soldados estao parados na soleira da porta me encarando como se eu fosse um animal selvagem. Um deles da um passo a frente, invadindo meu quarto. Recuo sobre os lencois cheia de pavor.
- O que voces querem? - minha voz sai estridente.
- Levantesse. Voce vira conosco. Sabemos o que voce é. Entao, coopere. - o que esta mais perto diz.
A luz do quarto é acesa, e percebo minha visao embacando o rosto dos soldados. Mas, nao deixo de encara-los.
- Voces estao enganados. Nao sabem quem eu sou. Saiam do meu quarto!
Dois deles se aproximam depressa e se lancam em minha direcao. Agarram meus bracos tentando me içar da cama. Enlouqueco. Vejo Jackson em minha frente. Mas, ele esta em todos os lugares. Acerto um chute no estomago do Jackson da esquerda. Mordo o braco do Jackson da direita. Eles grunhem, mas nao me soltam. Luto, puxo, mordo seus bracos nus, mas nao adianta. Eles foram treinados para suportar a dor.
Me içam da cama enquanto esperneio. Outro Jackson, tenta  amarrar minhas pernas com uma especie de algema. Acerto-lhe um chute no rosto. Vejo o sangue jorrar de seu nariz e cair sobre a marmore.
- Tome essa, Jackson! - vocifero para ele.
Os outros Jackson seguram meus bracos atras das minhas costas com mais firmeza, e dizem coisas que nao consigo distinguir. So sinto a dor nos meus bracos arder. Parece que querem quebra-los. O terceiro Jackson pega uma arma de um bolso da sua farda e a aponta diretamente para o meu peito. É o meu fim, penso. Abaixo um pouco a cabeca, e ouco o disparo da arma. Ele ecoa atraves da minha mente e sinto uma dor profunda seguida de uma anestesia. Um dardo vermelho se cravou em mim atraves da roupa, e me curvo sentindo calafrios e tonturas ate que caio na escuridao completa.

terça-feira, 29 de julho de 2014

[Concurso Cultural] O Jogo Perfeito - Faro Editorial

Olá, pessoal!
Hoje trago uma super novidade para vocês! Lembram-se do livro O Jogo Perfeito da J. Sterling publicado pela Faro Editorial? Bem, se não, podem ler a resenha do blog aqui. Para os demais que leram e amaram Jack Carter, estamos lançando um Concurso Cultural que tem como prêmio uma camiseta do time de beisebol de Jack, semelhante a essa que estou usando na foto abaixo:

Regras obrigatórias: – Possuir um endereço de entrega em território brasileiro; – Seguir o blog pelo GFC; – Seguir o Twitter do Blog (@literacinza) e da Faro Editorial (@FaroEditorial) – Curtir a página da Faro Editorial no Facebook; – Envie um e-mail para suzannaclimaco@gmail.com com a resposta da seguinte pergunta: O que mais lhe chamou atenção no livro? - Em assunto, colocar "Concurso Cultural - Camiseta Mets". No corpo do e-mail, além da resposta, colocar seu perfil no twitter, facebook e perfil de usuário do Blogger. Informações extras: – Entraremos em contato com o vencedor por e-mail e ele terá até 72h para enviar seus dados. Caso contrário, será feito um novo sorteio; – Não nos responsabilizamos por possíveis extravios dos Correios; – Os prêmios serão enviados em até 45 dias após a resposta do vencedor pela editora. A promoção é válida de 29/07 á 10/08. O resultado estará neste poste no dia 11/08. Boa sorte!

domingo, 27 de julho de 2014

[A Penúltima Cartada] Capitulo 8

Acordo com o alarme do relogio pulsando em meus ouvidos. Olho para ele relutante e vejo que sao 07:00 hrs. Estou cansada, dolorida e suada. Tive um sono muito inquieto como nunca havia tido. Os sonhos pareciam tao reais que eu acordei gritando varias vezes na escuridao da noite. Sonhei com um homem sendo perseguido por alguem encapuzado e sem conseguir fugir, acabava sendo morto. A pessoa que o matou tirava o capuz do rosto, e eu levava um susto. Era a presidente Branca. Em dado momento, eu era o homem e estava sendo perseguida por Holtz. Era terrivel. Eu via sangue escorrendo de sua mao para o punho da arma. Ela tinha um olhar descontrolado, selvagem. Meu coracao salta com a lembranca viva em minha mente. Algo me diz que estou ficando paranoica com essa ideia fixa em relacao a presidente. Preciso me controlar.
Levanto e arrumo a cama antes de tomar banho. Logo após, pego um macaquinho rosa e uma blusa branca do guarda roupa e visto. Calço uma rasteirinha dourada. Volto para o banheiro e me olho no espelho. La estao as olheiras se apresentando de leve, mas nao o bastante para precisar de maquiagem para cobri-las. Bagunço meu cabelo com as maos com um pouco de gel. Passo a maquiagem leve de sempre e volto para o quarto me sentando em frente a tela de LED. Peço panquecas com cobertura de chocolate e suco de laranja. Antes de acabar de come-las a porta se abre de supetao, e Lucia entra.
- Que bom que ja esta arrumada. Pensei que iria encontra-la dormindo.
Nenhum bom dia ou como voce esta? Dormiu bem? É, acho que ela me adora.
- Bom dia para voce tambem. -respondo de boca cheia de proposito. Ela me da um olhar de repreensao.
- Voce quer ver a cidade primeiro ou sua secao da Universidade?
- A Universidade. - respondo parecendo ansiosa demais.
- Espero voce terminar. Temos tempo. - ela diz com ironia.
Termino com o restante rapidamente para evitar reclamacoes e entao saimos. Ja no elevador, ela me entrega uma folha com o mapa da minha secao. Secao C. No terreo, fica o Hall de Entrada com o palco, duas salas a direita (o tenente e a sub-tenente dividem a maior, e a menor é a do policial chefe da FIPAS), um corredor a esquerda que da para os elevadores e ,ao lado deles, fica a entrada para o imenso patio central que é dividido entre as 4 secoes. Nos andares superiores, ficam as salas de aulas, bibliotecas, laboratorios, salas de projecao, escritorios, etc. No andar subterraneo ficam as salas de treinamento com armas, as salas de aula de defesa pessoal, e outras salas de reunioes para os policiais da FIPAS. No ultimo andar ficam o escritorio da diretora, uma sala imensa para a presidente se acomodar quando faz visitas, uma biblioteca proibida a alunos, e escritorios para profissionais de patente mais alta.
Assim que saimos do predio, damos de cara com varios outros alunos e suas secretarias indo em direcao a Universidade ou para os carros da PFAC. A maioria, na verdade, esta indo para o tur na cidade. Quando entramos no hall da minha secao quase nao ha ninguem por ali. Uma tranquilidade envolve o ambiente. Lucia quer ir ver os andares superiores, mas eu fico encantada com o patio e nao resisto. Dois guardas ficam em frente as portas de vidro e um deles passa um cartao na trava de seguranca. Ja podemos ver atraves da parede de vidro uma grande extensao do lugar, mas nada se compara a visao do lado de dentro.
Ha varias arvores de diferentes especies em toda parte. Parece que eles arrancaram um pequeno bosque de algum lugar e trouxeram para ca. Varios bancos brancos estao dispostos em trilhas aqui e ali. No centro, uma fonte de pedra tem a figura de um anjo olhando para o alto. Sigo seu olhar e contemplo os 7 andares da universidade indo de encontro a um teto negro. É de tirar o folego. Entre um patio e outro existem paredes de vidro transparente separando as secoes, mas por eles da para ver os estudantes do outro lado. É um sistema impressionante. A Universidade é um enorme O quadrado e no meio ficam os patios.
Em um canto existe ate mesmo um pequeno jardim. Eu poderia ficar aqui o dia inteiro lendo ou apreciando. Nem perceberia as horas passando. Me sento em um banco proximo a fonte junto a Lucia. Ela parece impaciente.
- Acho que devemos ir logo ver os outros andares, se ainda queremos ir a cidade. - ela diz seria.
- Nao tenho vontade de ver o resto do lugar. Amanha ja terei aula e poderei ve-los. Gostaria de ficar aqui mais um pouco.
Talvez aqui seja maid facil de Wellington me encontrar, penso. Ela analisa minha resposta enquanto formula uma ideia.
- Hum. Entao, eu poderia ir para casa e vir busca-la a tarde para irmos ao centro da cidade?
- Parece uma boa ideia.
Ela se levanta apressada. Acho que tem algum compromisso por causa da maneira como nao para de olhar para o relogio.
- Entao, ate mais tarde.
Ela sai praticamente correndo do lugar. Me sinto aliviada. Lugares como esse temos que dividir com uma companhia agradavel e que o aprecie tanto quanto nós. Uma brisa artificial toca minha pele e mesmo que o som de passaros seja de uma gravacao, o lugar me tras uma tranquilidade gigantesca. Fecho os olhos e sinto o cheiro da terra, da grama, das arvores, perfume masculino forte... Abro os olhos instantaneamente e me deparo com ninguem menos que Wellington sorrindo diante da minha reacao de espanto.
- Desculpe por assusta-la. Vi voce entrando com a sua secretaria e pensei que talvez pudesse lhe fazer companhia.
- Claro.
Ele esta usando a mesma farda da FIPAS que lhe cai como uma luva.Meu coracao estava acelerando, as palmas de minhas maos suando, mas nao era uma visao que estava chegando. É a imagem de Wellington. Ele é quase um pecado mortal em minha frente. Meus pensamentos ficam borrados, ate que lembro de porqur estavamos aqui.
- Sera que podemos ir agora? Estou muito curiosa. - digo o encarando.
- Claro que sim. - seu olhar recai sobre mim de uma maneira que me deixa constrangida. - A sala do Policial Chefe esta vazia. Na verdade, estou usando ela.
- Voce esta cuidando dos deveres dele?
Estranho.
- Sim. Ninguem mais poderia. - diz pensativo. - Ele confiava em mim.
- Confiava? O que aconteceu...
- Vamos. Nao podemos falar aqui.
- Entao, vamos logo.
Ele se levanta apressadamente para me ajudar mesmo que eu nao precise. Quando nossas maos se tocam sinto uma eletricidade pulsante. É estranho porque nunca experimentei essas sensacoes com ninguem. Comeco a pensar que talvez seja... Nao, é cedo demais para isso. Nem sei se somos realmente amigos. Preciso manter o foco.
A porta do patio desliza automaticamente a nossa frente, e saimos. Voltamos pelo corredor da esquerda, e ele abre a porta de metal da sala do policial chefe. Ela desliza se fechando as nossas costas. A sala é simples. Possui uma mesa de madeira preta ao fundo, duas estantes abarrotadas de papeis, livros, pastas. Um vaso ao lado da mesa, e é isso. Me sento em uma das duas poltronas em frente a mesa e Wellington senta na outra, querendo ficar proximo a mim. Talvez para poder cochichar.
- Tem alguma...
- Tem duas, mas eu cuido delas. Nao precisa se preocupar.
- Tudo bem. - suspiro. - Entao, voce ja pode comecar.
- Sem problemas. Olha, voce sera minha auxiliar sim. Tive a confirmacao a pouco. - ele hesita. - O Policial do qual voce deveria ser auxiliar esta desaparecido a semanas. Provavelmente, morto. Eu queria que voce soubesse disso antes que nao tivesse mais escolhas. Voce ainda pode desistir.
Me sinto aliviada por um momento. Ele nao sabe sobre mim. Mas, o problema continua crescendo.
Ele apoia os cotovelos sobre as pernas enquanto olha para o lado.
- A uma semana do ocorrido, o policial Jonas estava muito inquieto e estranho. Na verdade, ele estava a beira dos nervos. Se irritava com qualquer coisa, parecia em outro planeta a maior parte do tempo e eu tinha que ajuda-lo em quase tudo nas investigacoes. Ele soltava umas frases soltas e costumava falar sozinho. Dava a entender que estava sendo perseguido. Mas nao compartilhava nada com ninguem. Nem mesmo comigo.
Ele suspira triste e retorna a falar.
- Entao, em um dia, ha duas semanas, eu estava nesta sala esperando para que ele me desse o resultado de uma investigacao importante, mas ele nao chegou. Liguei para o seu celular, mas so caia na caixa postal. Entao, liguei para a casa dele e a mulher atendeu, e me disse que ele havia saido a horas. Ja deveria ter chegado. Depois disso, nunca mais o vimos.
- Procuramos por toda cidade. Nos predios, lojas, em todo lugar. Fomos na casa de parentes, vasculhamos todo e qualquer lugar para o qual ele pudesse ter ido, mas tambem nada. Nao encontramos o corpo. Ele foi dado como morto mesmo assim, e no laudo colocaram como queima de arquivo, o que provavelmente seja verdade.
- Ele estava chefiando uma investigacao séria em relacao ao trafico de drogas. Isso nao deveria existir no pais, mas ainda esta la incubado de alguma maneira. Pode ter sido um dos pequenos chefes do trafico com sede de viganca.
Ele para com o olhar perdido.
- Mas, voce acredita que corro riscos? Porque esta se preocupando comigo e me contando tudo isso?
Ele emudece, e so posso ouvir sua respiracao acelerada. Cada vez mais. Ele passa as maos sobre a cabeca.
- Alice, voce estara correndo riscos sim. Eu tenho percebido coisas durante meus trabalhos. Desconfio que... - sua voz parece frustrada. - Nao posso contar agora.
- Voce esta me deixando mais confusa. Quem voce acha que fez isso? A presidente?
Ops... Saiu antes que eu pudesse evitar.
- Nao, ela nao. - ele responde rapido como se nao se importasse que eu a tivesse acusado. - Outras pessoas. Mas nao tenho provas. Posso estar errado. Pode ter sido qualquer coisa.
- Voce nao me respondeu porque esta me dizendo tudo isso. Porque se importa com a minha seguranca?
- Eu nao sei. Talvez eu fizesse isso por qualquer pessoa. Nao quero me sentir culpado caso aconteca algo com voce.
Eu nao sei porque, mas sinto uma pontada ao ouvir essas palavras.
- Ah. Claro. Mas, nao posso desistir. Ha pessoas que diriam que isso seria covardia.
- Nao seria covardia, Alice. Seria prevencao. Esse cargo tem causado muitas inimizades. Ninguem fica muito tempo nele.
Me sinto frustrada. Nao posso contar a ele porque nao posso voltar para casa. Simplesmente, nao poderia.
- Nao posso voltar. - digo olhando para minhas maos. - Nao me pergunte o porquê.
- Entao, nao vai adiantar mesmo eu falar mais, nao é? - ele ri triste.
- Existe um motivo para eu estar aqui. Varios na verdade. Apesar de nao entender boa parte deles, sei que preciso ficar.
- Ja que voce nao vai me ouvir, o minimo que posso fazer é o meu trabalho. Ajudarei voce no que precisar.
- Eu sei.
Na verdade, eu nao sabia. Nao ha como ter certeza. Mas, apartir desse momento eu tentaria confiar nele. Ainda mais se ele quer que eu continue viva. Se isso que aconteceu a esse policial é algo frequente, entao preciso me aliar as pessoas certas. Agora eu tinha dois problemas. Os inimigos do falecido policial, e os meus fantasmas.
- Tem certeza que nao quer me falar desses seus motivos? - ele diz.
- Por enquanto, nao. Tenho coisas demais com as quais lidar no momento.
- Tudo bem. Eu sei esperar. - ele diz docemente. - Alice, tenho que admitir que voce é corajosa. Poderia estar aflita com o que acabei de dizer, mas parece estar pensando em outras coisas.
- Tenho problemas maiores que esse. Mesmo que esse pareça o mais imediato. Obrigada por me prevenir, e me contar sobre isso.
Ele se aproxima com um sorriso genuino.
- Agora, somos um tipo de aliados, nao é? - ele diz esticando uma mao para mim.
- É. Aliados.
Apertamos a mao. Um encarando o outro. Comeco a sentir aquela eletricidade novamente. Meu coracao nao sabe como se comportar, e nem eu. Fico muito agitada com esse toque mais demorado e saio de perto dele o mais depressa que posso. Minha visao esta embacando. A porta se abre assim que me aproximo. Antes de sair, olho por sobre o ombro e vejo Wellingnton cabisbaixo e com um semblante cansado. Me apresso a sair antes que surte. Quem sabe se conseguiria sair depois? Nao posso misturar as coisas. Vamos trabalhar juntos, nao pode ser mais do que isso. Nao posso dar esperancas a ele.
Fico parada no corredor totalmente indecisa. Nao sei se volto para o patio ou se vou para o quarto. Talvez eu devesse ter ido com Lucia a cidade. Apesar que nem sei o que vamos ver alem de predios e mais predios. Olho o relogio que marca 09:00 hrs. Antes que eu tenha me decidido a porta se abre atras de mim.
- Ainda aqui? - ele diz.
- Nao sei o que fazer.
Em relacao, a muitas coisas...
- Hm. Gostaria de ir comigo a um restaurante na cidade? - diz com esperanca na voz.
Nao sei o que dizer. Talvez eu nao devesse ir... E se?
- Seria apropriado? - pergunto.
- Hoje tenho o periodo da manha de folga. E , suponho que voce nao tem nada para fazer. Ninguem se importaria. Por favor, Alice. Acho que precisamos conversar melhor.
- Tudo bem.
Ele me oferece o braco e saimos da Universidade. A alguns metros de distancia, um carro preto 4x4 da FIPAS esta estacionado e vamos em direcao a ele. Ele abre a porta para mim e entramos. É estranho entrar em um carro da policia com um cara que voce mal conhece. Agradesco por nao ser um carro da PFAC. Ou estar aqui com ele seria um desastre. Em pensar que logo terei um carro como esse tambem.
- O resturante fica longe daqui? - pergunto.
- Nao. Esta nervosa? - diz rindo.
Maldito corar.
- Um pouco. Isso tudo é novo para mim.
Ele me da um olhar feliz como se eu tivesse dito outra coisa. Como se eu tivesse me referido a ele. Coisa que nao fiz.
- Olha, eu preciso falar sobre isso... voce sabe, que esta acontecendo entre nos.
- O que esta acontecendo? - uma sombrancelha é levantada para mim seguida de um sorriso.
- Ahh, nao me venha se fazendo de doido. Voce sabe muito bem.
- E, o que voce quer dizer sobre isso?
- Que, bem, eu nao quero misturar as coisas. Trabalho e... Nao vai rolar.
A palavra estava entalada. É altamente estranho proferi-la.
- E? - ele esperava nervoso que eu continuasse.
Nem percebi que o carro havia parado.
- E amor. - digo de cabeca baixa. -  Voce nao pode esperar que eu pense nas coisas dessa maneira.
- Por que? - suspira. - Acho que se voce vai me despensar mereco uma boa resposta.
Nao tenho tempo para responder. porque ele simplesmente abre a porta do seu lado, e tenho que fazer o mesmo. Ele nao queria receber um nao, mas eu precisava dizer a ele que nao entendia o que estava acontecendo entre nos. E nem sei se quero entender. Ja tenho tanto com o que me preocupar...
Ja na calcada observo o pequeno café na esquina. A varias mesas na parte de fora onde pessoas conversam e comem. Ele segura minha mao entre a sua e mesmo que eu a force para fora, o aperto dele é firme. Olho para ele como quem pergunta: "Voce nao ia esperar?". Ele me da apenas um sorriso traquina. Sentamos em uma das mesas do lado de fora e um garçom nos entrega dois tablets com o cardapio. Seleciono cheescake com sorvete de creme e Wellington pede o mesmo. O garcom recolhe os tablets e entra.
Nao consigo parar de olhar o lugar, as pessoas, os predios. É tudo tao diferente do resto do pais. Nao paro de pensar nas pessoas que estao morrendo ou sobrevivendo com tao pouco la fora. E, aqui eles vivem cercados no luxo. É tudo perfeito, mas me tras mais tristeza que outra coisa.
- Esta arrependida de ter vindo? Parece triste. - ele diz.
- Nao é isso. É tudo aqui.
- Nao pense nessas coisas agora.
- Me sinto deslocada. Com voce nao foi assim?
O garçom nos interrompe enquanto coloca os pratos sobre a mesa. Nunca provei algo como isso, e penso que meu pai ia adorar faze-lo. O prato é simples e em pequena porcao, mas decorado perfeitamente. Dou a primeira garfada e sinto como se tivesse engolido um pedaco do paraiso.
- Mais ou menos. - ele responde. - Na verdade, eu fiquei bem feliz. Pude ajudar minha familia e me encontrar aqui. Eu me sentia sem sentido no meu estado. La eu nao fazia nada por ninguem. Aqui foi me dada essa chance.
Ele tem razao mais uma vez. Em meu estado, jamais poderia ajudar alguem. Nem a mim mesma.
- Voce tem razao. Ficar triste nao ajuda ninguem.
Ele concorda com a cabeca.
- Quero lhe dizer uma coisa. Eu acho que nao seja por essa linha do trafico o que aconteceu com ele. Os traficantes trabalham dentro dos seus estados. Nao tem como eles sairem sem apoio de dentro da policia. Ou eles conseguiram isso, o que acho quase impossivel ja que a policia é devota da presidente, ou talvez seja outra coisa.
- O que poderia ser?
- Estou apostando todas as minhas fichas nos protestantes.
Ele simplesmente joga as palavras em cima de mim esperando minha reacao. Protestantes. La estava a antiga palavra emergindo de volta. Quase nao me lembrava mais dela. Era dita aos sussurros quando denotava aos antigos revoltosos do passado. É uma palavra proibida. Meu pai nao cansava de falar como o pai dele lutou junto com eles. Mas nao concordo com a maneira como eles lutaram.
- Os protestantes nao eram chefes do trafico de drogas que se interligaram em uma rede unica? Para mim, da no mesmo.
- Isso é o que o Governo nos diz. Mas a verdade tem outra face.
Sempre os vi como bandidos repugnaveis que so queriam mais e mais poder.
- Eles eram no inicio os chefes do trafico. Mas depois que a presidente Martins vendeu os Estados de Fronteiras, as pessoas se revoltaram. Eles disseram que os protestantes mataram metade das pessoas daqueles estados como uma amostra do poder que tinham, e de ate onde chegariam pelo que queriam. Mas a verdade é que a presidente Martins mandou executa-los. Por isso, as pessoas se revoltaram e lutaram ao lado dos protestantes. Ficaram do lado deles.
Meu pai havia me contado sobre essa hipotese, mas sempre me pareceu algo abominavel.
- Ainda nao entendo onde voce quer chegar. O que eles tem a ver com isso?
- Os descendentes deles ainda vivem por aí, Alice. Eles ainda tem sede de vinganca. E o regime da presidente Holtz tem massacrado muitas vidas. É inevitavel que ninguem queira tomar uma atitude. Tenho motivos para crer nisso.
Isso era verdade. Eu mesma tinha uma certa vontade de ver as coisas mudarem. Vejo sentido no ponto de vista dele. Muito sentido.
- Eu quero saber mais sobre isso. - falo. - Me conte tudo o que sabe.
- Por enquanto nao posso, Alice. Quando voce for minha auxiliar poderei mostrar-lhe coisas que agora nao posso.
- Tudo bem. Eu espero. Mas quero que saiba que vejo significado no que voce disse. Sei que as pessoas nao estao contentes com suas situacoes. Mesmo que isso nao lhes de motivo para terem matado o policial. Elas nao ganhariam nada com isso.
- É um aviso... Um aviso. - ele diz perdido em pensamentos.
- Um aviso?
- Sim. Eles estao voltando. Eu sei.
- Vamos investigar quando for a hora. Quero entender o que eles realmente querem. Mesmo que estejam querendo um pais melhor, estao lutando da maneira errada.
- Concordo. So quero que espere mais um pouco.
- Terei paciencia. Prometo.
Silencio.
- Que tal voce me falar um pouco sobre voce? - ele diz.
- Sobre mim? Nao a nada para saber.
- Claro que há! Seus gostos, suas perspectivas, sonhos...
- Desculpe, mas nao sou boa em falar de mim mesma.
- Comece me dizendo sobre coisas que voce gosta de fazer, ver. Coisas assim.
Nada parecia bom o bastante para ser comentado. Na verdade, em poucos momentos eu havia parado para pensar em mim. No que eu queria, gostava. Tudo sempre tinha ficado em ultimo plano.
- Gosto de ler. - a unica coisa que eu conseguia lembrar. - Tenho alguns livros preferidos, mas ficaram todos em casa. Tem uma serie bem antiga que gosto muito que foi da minha tatatataravo. Passaram de familia a familia. Estao bem velhinhos.
- Tambem gosto de ler. - ele diz entusiasmado. - Qual é essa serie?
- Ela é proibida. Nao posso dizer aqui. Mas tem uns passaros na capa, e fala de revolucao.
- Acho que ja ouvi falar, mas nunca li. - ele diz pensativo. - Gosto de ler romances policiais. Livros com acao.
- Voce ia gostar deles. Tem acao.
Sorrimos.
- Do que mais voce gosta?
De repente, senti uma vontade de contar tudo que estava entalado. Nao so para ele, mas a mim mesma.
- Nao gosto de ceu azul. Prefiro quando o tempo esta nublado. Sempre quis aprender algum daqueles tipos de luta antigas. Nao gosto de ficar sozinha. - as palavras fluiam. - E tenho uma certa vontade de ver esse regime mudar. Talvez por ter lido em alguns livros sobre revolucoes, pensei que aquilo talvez fosse possivel na realidade. Que a liberdade poderia existir.
Me trazia uma paz muito grande falar sobre o que pensava em voz alta. Pela primeira vez, deixei escapar a verdade que existe em mim. Eu quero tirar as correntes que me amarram. As proibicoes, as limitacoes. Mas, como se comeca uma revolucao? Nos livros, parecia mais facil. La a minha cabeca nao estava a premio e cheia de antigos medos.






sábado, 26 de julho de 2014

[Belnegro] Capítulo 7

Um grande salão se abre para nós assim que entramos na Universidade. O piso é de mármore de um tom creme, e há algumas pilares nas extremidades do recinto. Ao fundo a um palco em formato de meio círculo onde várias pessoas estão sentadas incluindo a diretora e a presidente. Estimo que o ambiente possa abrigar 1000 pessoas. Os 400 estudantes espalhados pelo local ocupam quase a metade. Lucia e eu estamos ha duas filas de distância do palco e temos uma visão privilegiada. Eles esperam que todos entrem, e se acomodem antes de dar início a cerimônia. Apesar de estar em um lugar apertado e cercada por inumeras pessoas, me sinto relativamente calma. Estou mais curiosa do qur nervosa. Observo a diretora em uma conversa contida com Holtz e, novamente, juro que ela olha para mim tentando desfarçar.
Quando todos já entraram, Eleanor se levanta e o silêncio reverbera ao nosso redor. Ela vai até o centro do palco e nos encara antes de falar com sua voz grossa:
- Bom dia, Alunos Padrão! Hoje inicíamos a 40° Cerimônia de Apresentação da II Universidade e Corpo de Funcionários do Estado A. - ela retira o microfone do pedestal e anda para um pouco mais a frente. - Primeiro, parabenizo cada um de vocês pelo esforço e foco para seguir os seu sonhos. Vocês são dignos das profissões para as quais foram escolhidos para serem instruídos para futuramente nos dar resultados positivos em nosso país. Vocês serão a base da nossa sociedade.
- Somos nós, que um dia fomos Alunos Padrão, que lutamos pelos direitos dos cidadãos de nossos estados. Nós os representamos frente ao nosso país. Somos símbolos de uma nação mais forte e inovadora.
- Esperamos que cada um de vocês exerçam seus papéis com integridade, inteligência, humildade e sempre visando o bem comum e as leis. - ela vai em direção a presidente que já está posicionada esperando a deixa para seu discurso. - Agora, passo a palavra para a nossa estimada Presidente Holtz!
Uma salva de palmas explode no recinto.
- Bom dia, alunos. - diz em um tom aveludado. - Há 40 anos atrás, eu estava sozinha no meu gabinete pensando em como faria para melhorar o sistema de integração dos cidadãos após os confrontos que abalaram o país. Eu pensei muito, e percebi que o melhor seria colocar apenas nas mãos dos mais aptos o poder de mudar vidas. - ela se achaava apta a mudar a vida de todo o país, penso. - Porque é isso que vocês farão em suas profissões padrao. Irão lidar com vidas e não muda-las é algo inevitável. Por isso, apenas os mais hábeis chegam até aqui.
- Isso não quer dizer que todos nós não tenhamos ótimas oportunidades. Todos temos aquelas que somos capazes de levar adiante.
- A escolha que vocês fizeram não tem volta. Acredito que cada um de nós foi criado para fazer algo único. Nesse caso, somos contidos em uma única tarefa. Vocês darão suas vidas em prol de outros, e isso é a melhor maneira de transformar nossos dias em algo realmente proveitoso.
- Desejo sorte a cada um de vocês. Que saibam lidar com as dificuldades, usar com inteligência as oportunidades,e manter-se sempre dentro de seus limites. Lembrem-se: a prática da lei molda o cidadão a favor da paz.
Mais uma longa salva de palmas. As palavras da presidente sempre me deixam com um grande "E se...?" em minhas mãos. Quase me deixo enganar. Quase. Ela volta a se sentar em sua cadeira passando a palavra novamente a diretora.
- Para apresentar o corpo de funcionários da Universidade, chamo ao palco Pedro Furtado, Comandante da Brigada Policial de Seguranca da Universidade.
Mais palmas enquanto ele se dirige a frente. Ele é um homem de 28 anos, cabelos pretos e lisos cortados em estilo normal, pele branca, bem apessoado e de semblante amável apesar da profissão. Tento encarar qualquer ponto no palco que nao seja ele.
- Bom dia. Desejo meus parabéns a cada um de vocês. - ele olha para as pessoas sentadas no fundo do palco. - Chamo ao centro do palco os principais funcionários da Universidade. Rodrigo Amorim, Tenente da Seção C; Laura Gonzales, Sub-Tenente da Seção C; Policial Wellington, Policial de Esquemas Táticos do Esquadrão de Defesa, e Bryan Botelho, professor padrão de Defesa Pessoal.
Meus olhos viajam diretamente para o soldado Wellington que está com sua vestimenta de Policial de Operações Táticas. Ele está... está fabuloso. Nao sei como nao surtei ainda olhando por tanto tempo para ele. Pedro retoma a palavra.
- Todos eles lidarão diretamente com vocês. Seja durante aulas, nos corredores tirando dúvidas ou caso sejam chamados para uma conversa particular. - Um grande  hummmm interrompe o comandante. - Não é isso que vocês estão imaginando. (risos) Estou falando de conversas sobre seus desenvolvimentos nos estágios ou coisas similares.
Ele fica sério novamente e retorna a falar.
- A Universidade é dividida em 4 seções separadas entre si. Cada uma delas cuidará futuramente das investigações envolvendo certos estados. Todos sabemos que nossa universidade é ligada a área Investigativa-Policial. Aqui formamos advogados, policiais da PFAC e FIPAS, assim como das suas sub-divisões, peritos criminais, e as demais profissões da área. Então, cada uma dessas seções são divididas de acordo com as profissões. Estamos agora no Hall de entrada da seção C. Aqui são formados os policiais da PFAC e FIPAS, e suas sub-divisões. No final, desta palestra, cada um dos estudantes que não forem dessa seção, serão escoltados a uma visita rápida até a sua seção e depois para seus dormitórios.
Eleanor reaparece enquanto ele volta a seu assento.
- Obrigada, Comandante Furtado. Agora, tenho algumas notícias para dar a vocês. Hoje e amanhã teremos uma folga para um pequeno tur pelas seções e pela cidade. Suas secretarias lhes darão as informações adjacentes de que precisem.
- Mais uma vez, parabéns a todos. Suas secretárias lhes levaráo para seus dormitórios. E, nos vemos amanhã!
Uma confusão começa entre as pessoas que não sabem se saem ou se ficam para esperar para irem ver suas seções. Vários soldados aparecem e começam a dividir os alunos e levá-los pela porta de saída. Como sou do C sigo Lucia para o lado de fora. Enquanto meus pés deslizam pela mármore, minha mente pensa em outra coisa. O Soldado Wellington ou Policial Wellington, já não sei mais o que ele é, poderá trabalhar comigo futuramente. Talvez eu vire sua chefe. Essa perspectiva de vê-lo e trabalhar com ele faz meu coração acelerar, e não sei bem o porque. Balanço a cabeça com receio desses pensamentos quando uma mão firme segura meu braço me puxando para trás. Perco o fôlego. Um homem fardado com a roupa preta da policia tática da FIPAS me da um sorriso irresistível. Antes mesmo de olhar para o nome gravado em seu peito sei de quem se trata. Olho para trás e encaro Lucia que parece confusa.
- Preciso conversar com a senhorita Alice. - ele diz com uma voz profissional. - Pode deixar que a levo para o condomínio logo em seguida.
Pega de surpresa, Lucia apenas faz que sim com a cabeça e nos deixa a sós. Os outros alunos sairam. O palco, a vários metros de distância, está vazio. Olho nos olhos cor de mel do policial Wellington, e estou perdida. So consigo imaginar que deveria estar surtando. Estamos muito perto um do outro... Nem tenho a consciência de perguntar o que ele quer. Mas ele toma a palavra de qualquer maneira.
- Senhorita Alice. - só assimilo aquele sorriso cheio de dentes brancos. - Me desculpe por impedi-la de ir descansar. Imagino que esteja cansada da viagem, mas precisava falar com você.
- Sobre o que exatamente, soldado Wellington? - levanto uma sombrancelha inquisitiva para ele enquanto digo a frase, dando ênfase a palavra soldado.
- Aqui sou um policial. Mas, pode me chamar apenas de Wellington. Eu so queria dizer que vamos trabalhar juntos. Provavelmente, você será minha auxiliar.
- Sua auxiliar? Mas você não é um policial chefe da área investigativa da FIPAS.
Digo discrente. Não fazia sentido.
- Mais tarde posso passar no seu quarto para podermos falar mais a vontade?
- Isso não é proibido?
- Só se fossemos fazer certas coisas.
Sorrimos sem jeito.
- Você não pode nem ao menos me dar uma pista sobre isso? Não compreendo o que você quis dizer.
- Mais tarde. Tenha paciência. - ele me oferece o braço. - Vamos?
Geralmente, sentia repulsa so de pensar em encostar em um homem. Mas, Wellington parece um cara amigavel.
- Tudo bem. - suspiro enlaçando meu braço ao dele. - Mas você irá responder todas as minhas perguntas.
- Na hora certa, sim. Qualquer coisa.
Sinto algo a mais naquelas palavras, mas não sei se quero entendê-las. Afinal, eu vim até aqui para trabalhar, e misturar as coisas nunca daria certo. Fora a bagagem que carrego que nao quero impor a outra pessoa. Sem dizer mais nenhuma palavra, andamos pelo gramado, e surpreendentemente me sinto feliz. Mesmo estando a quilômetros de distância de casa, numa realidade totalmente fora de órbita. Mesmo estando de braços dados com um cara que mal conheço, e que ainda por cima é um policial. Um cara que me olha de 10 em 10 segundos com um sorriso infinito pendurado no rosto. Apesar do sol estar queimando minha pele, e do meu estômago estar reclamando, me encontro contente sem um motivo certo. Talvez seja a felicidade de saber que cheguei ate aqui sem nenhuma visao me pertubando. Que, como a presidente Branca disse, eu iria mudar vidas. Talvez, comecasse mudando a minha.
Depois de muitos metros seguindo pela calçada a direita chegamos no portão de entrada do condomínio. Ele é gradeado e podemos ver atraves dele os quatro prédios, e o restante do ambiente. Tudo é simplesmente lindo. Os prédios possuem vidros espelhados e um design sofisticado contando com uma fachada cheia de ondas singulares. No térreo, ele tem um pequeno terraço onde ficam as portas de vidro. Um gramado circula toda a área entre os prédios e um caminho de pedra liga uma pequena rua a cada um deles.
O soldado Wellington olha para o lugar com um olhar contente e de saudade. Então, lembro que ele deve ter vivido aqui por um tempo já que foi um Aluno Padrão. Nos encaramos de frente, e eu sei que deveria me sentir de algum modo constrangida e nervosa, mas pelo contrário, é mais como se nos conhecessemos a muito tempo. Vejo nele uma especie de amigo. O que é estranho.
- Senhorita Alice...
- Pode me chamar de Alice.
- Ok. Bem, Alice, não creio que seja apropriado que a leve agora até o seu dormitório. Então, nos despedimos aqui. Mas voltarei mais tarde.
- Estou muito curiosa. Ainda não acredito que não vai me contar o que sabe.
- É um assunto delicado. Não posso lhe dizer agora.
- Delicado? Nao entendo. E nem acho certo que nos encontremos escondidos. Acabei de chegar. E, Lucia poderia dar por minha falta e suspeitar.
Ele passa uma mão sobre o queixo analisando minha pergunta.
- Amanha quando voce for visitar sua secao, estarei te esperando. Ai poderemos nos falar.
- Tudo bem. - silencio. - Acho melhor eu entrar agora, Wellington.
- Certo. Até amanha, Alice.
Ele ergue uma mão para mim e a aperto. Então, ele sorri e se vai. Sinto meu pulso acelerando mesmo que ele não esteja mais aqui e me pego pensando em suas palavras e imaginando o que ele poderia querer me contar de tão importante que precise ser confidencial.
Entro no primeiro prédio a esquerda, e me deparo com uma pequena sala com dois sofás brancos em uma salinha e um corredor a direita que termina em um elevador. Ele se abre quando me aproximo e se fecha quando entro. Clico o número 3 no painel e espero. Observo meu reflexo nas paredes espelhadas ao redor. Eu pareço de alguma forma mais... viva. E um sorriso brota em meus lábios quando lembro dele. Não. Não, Alice. Foco. Foco. Foc... Fo... We... Eu não posso me deixar levar assim só porque estou imaginando que talvez... Talvez ele estivesse mentindo para mim e usando tudo isso como um pretesto para me ver. Como em um encontro. O que seria totalmente absurdo ja que so nos vimos duas vezes.
Passo minhas mãos pelos meus cabelos tentando alinhar meus pensamentos. Tentando afastá-lo deles. Isso não pode ser normal. Pensar em uma pessoa assim do nada. Sem nem conhecê-la. Antes que eu consiga diminuir o rubor do meu rosto, a porta se abre. Duas garotas me encaram do lado oposto antes de entrarem e só então volto a realidade. Caminho em direção ao final do corredor. Ultimo quarto. Passo o cartão na tranca de segurança e a porta desliza para dentro de um orifício na parede. Encaro um quarto tão lindo que me tira o fôlego. Mas assim que vejo Lucia sentada na minha cama com uma expressão chateada no rosto, meu humor desaba.
- Pensei que teria que ir buscá-la. - ela diz se levantando. - Posso saber, o que tanto conversou com aquele policial?
Que petulante!
- Ei! Você não acha que está sendo radical demais? Sabe, existe uma coisa chamada limites.
- Eu estava pensando exatamente isso enquanto você se divertia lá fora. - diz com o cenho apertado. - E, saiba que sei muito bem até onde vão os limites do meu trabalho.
Nos encaramos por alguns segundos cientes da negatividade entre nós.
- Deixei alguns papéis na escrivaninha que quero que você olhe. São os horários e locais que iremos visitar amanhã. E, não se esqueça que o TR vale aqui.
Ela faz uma breve parada.
- Não saia do quarto hoje. Você não conhece a cidade e poderia se perder. - ela mexe na bolsa procurando alguma coisa. - Poderá falar com seus pais via teleconferência. Os horários estão no mural. Qualquer dúvida pode me ligar. Só voltarei para cá amanhã quando vier lhe buscar.
- É só isso?
- Bem, se quiser comer alguma coisa você faz o pedido naquela tela ali. - ela aponta para uma LED ao lado da cama. - Depois de uns minutos a comida aparecerá. Entendeu tudo?
- Claro.
- Tudo bem. - ela vai em direção a porta que se abre automatimente. - E, lembre-se que está sendo vigiada. Não é porque não estarei aqui que poderá fazer o que quer.
Ela sai sem dizer mais nada e a porta se tranca novamente. Suspiro. Ainda bem que só terei que aguentá-la por alguns dias. Jogo a mochila sobre a cama king size e me sento observando os detalhes. A parede atrás da cabeceira da cama é de um tom de roxo escuro. O resto das paredes são brancas. Uma escrivaninha estilosa ocupa um grande espaço na parede dos fundos e uma janela grande fica logo atrás. A outra parede possui uma porta para o banheiro e um enorme guarda roupa preto. O piso do quarto é de porcelanato branco. É simplesmente aconchegante. É muito mais do que meu pai poderia sonhar em me dar. É mais do que eu ja esperei ter. Ao lembrar de Eduardo, sinto uma mão invisível esmagando meu peito. A saudade de casa é enorme. Decido que após comer irei ligar para ele.
Abro a mochila e retiro todas as coisas de dentro e a caixa de itens auxiliares. Pego as poucas roupas que trouxe e vou em direção ao guarda roupa. Quando o abro levo um susto. São tantas roupas que parece uma ilusão de óptica. Não só roupas, como diversos calçados. E tudo parece do meu tamanho. Percebo que não vou precisar das que trouxe. São tão velhinhas perto das outras que parece um insulto juntá-las. Guardo-as na mochila e a jogo em um canto do guarda roupa. Vou para o banheiro que não me chama muita atenção e tomo um banho rápido. Escolho uma blusa cinza de mangas longas, um short preto desfiado e um vans preto. Arrumo meu cabelo com os dedos e aplico um spray selador que estava na bancada do banheiro junto com inúmeros frascos. Vai que alguem resolve aparecer de surpresa. Nao quero que me vejam desalinhada.
Me sento na cama e olho para a tela de LED embutida na parede com certo receio. Assim que minha mão se aprixima dela, sou detectada e a tela acende. Várias opcões aparecem como café da manhã, almoço, jantar ou lanche. Clico em almoço e um cardápio bem variado aparece. Clico em filé á moranga acompanhado de arroz e salada, e para sobremesa flan de chocolate. Aguarde. Seu pedido esta sendo processado. aparece na tela. Depois de alguns minutos, uma parte da parede desliza para cima e me assusto quando uma mesa se projeta do orificio com a comida desposta em cima. O cheiro é maravilhoso e o sabor também. Quando termino a mesa volta automaticamente para seu lugar e o buraco volta a se fechar.
Me deito e pego o celular de dentro da caixa. Assim que o visor acende vejo 10 ligações perdidas e 6 mensagens no KickApp. Clico no símbolo do app e o nome Alexia aparece na tela.
» Alexia (online)
Cadê você? Te procurei em todos os lugares. (10:20 hrs)
Me dê um sinal de vida, sua nerdzinha de m... (10:21 hrs)
Você está aqui no Hall? (11:00 hrs)
Wow. Essa Holtz tem uma lábia. PQP! Adoro essa mulher! (11:15 hrs)
Minha seção é o MÁXIMO! Tu não ta entendendo!! É alto padrão. Tecnologia sem fronteiras! (11:40 hrs)
Quando parar de me ignorar é só avisar, ok? (13:00 hrs)

Alexia sendo Alexia. Digito uma mensagem...

» Alice (online)
Estava sem meu celular. Quer dizer, ele estava na caixa. E, bem, como conseguiu meu número? (13:10 hrs)

» Alexia (online)
Nao me apronte uma dessas novamente! Pensei que voce tinha desistido, sua vad... O que é que eu não sei, hein? :v rs Agora me diz, o que achou de tudo isso? Já comeu?

» Alice
Pare de xingar. Que feio! :o Estou gostando de tudo. Apesar de algumas coisas estranhas. Já comi sim. rsrs Pirou muito?

» Alexia
Alice Avelar, pode já começar a digitar uma explicação! Que coisas estranhas? Só se for essa tecnologia monstruosa! Gritei quando a parede se abriu. Não estava preparada para aquilo.
» Ei, me desculpe aí, mas minha secretária quer me repassar umas informações sobre amanhã. Ela é um amor! Nos falamos mais tarde?

» Alice
Que sorte! A minha está mais para o diabo. Estou sem paciência com ela. Até mais tarde, então.

Deixo o celular cair ao meu lado enquanto meus pensamentos me tomam. Sera que Wellington descobriu que sou uma inoperante? Sera que ele quer me denunciar para ficar com o cargo? Sera que ele é ruim a esse ponto? So consigo imaginar que seja por isso que ele queira conversar comigo a sos. Para me colocar contra a parede para que eu diga a verdade. Talvez, ele tente me subornar para que eu desista. Acho que nao devo confiar nele. Mas, parte de mim nao quer que isso se confirme. Uma parte de mim esta totalmente confusa.
Lembro de ele ter dito que eu seria sua auxiliar. O que me parece estranho já que ele é só um subordinado. Isso só seria possível, se bem, o Policial Chefe não estivesse mais trabalhando no cargo. E para isso só existem duas opções: ou ele se aposentou ou morreu. Acho que prefiro a primeira opção, mesmo que seja mais provável a segunda já que o assunto requer certa urgência. E se for isso... Eu não quero nem pensar.
Como vou conseguir aguardar ate amanha para saber? Porem, nao posso sair assim atras dele. Nao é porque ele foi o primeiro policial com o qual consegui realmente conversar desde a primeira vez em que o vi que isso indique que meus surtos acabaram. Sei que esta longe disso ser verdade. Mas, tambem nao sei explicar o que sinto quando penso nele. Nunca imaginei alguem assim.
Me pergunto como sera que vou suportar ver os estudantes da minha secao inteira fardados. Caí diretamente onde meu pesadelo estava mais proximo de se tornar realidade de uma maneira totalmente pertubadora. Como eu poderia esquecer tudo aquilo? As vezes, se eu ficava por muito tempo sozinha, podia ouvir a voz de Jackson viva em meus ouvidos. Em alguns momentos, podia ver seu fantasma tomando forma fora da minha mente. As lembrancas eram tao fortes que eu podia ve-lo nitidamente. Nessas horas, eu ficava anestesiada, a respiracao pesada, o coracao pulsando enlouquecido pela vida. Gritava, e chorava ate que Eduardo chegava e tudo se dissolvia.
Entao, como posso encarar tudo isso de frente fingindo que nao sou o que sou? Como podiam esperar isso de mim? Talvez, eu devesse desistir, voltar para meu estado, entrar na pre-selecao da Secretaria e esquecer meus pais. Desistir dessa tentaiva de dar a volta por cima. Eu posso estar fazendo a escolha errada. Meu pai pode ter enlouquecido, e ser um inoperante fingindo ser alguem normal. Se escondendo dentro de si. Nao faco a minima ideia do que ele quer que eu faca e nem onde vou encontrar essa resposta.
Me remexo na cama tentando afastar os pensamentos, mas acabo não encontrando muita resistencia, e sou levada a um sono pesado, sem sonhos.

                          +++

Desperto meio grogue, e sem saber onde estou. É sempre estranho acordar em um lugar diferente da sua casa. Pego o celular ao meu lado, e vejo que já sao 19:55 hrs. Dormi bastante, e ja é quase hora do TR. Me levanto e vou ao banheiro. Olho meu reflexo no espelho e percebo meu rosto inchado e amassado, e meus olhos me lembram um panda. Lavo o rosto retirando o lapis e o brilho labial. Volto para o quarto, e olho a paisagem pela janela. Ha uma arvore bem proxima a parede e alguns galhos grossos chegam ate o parapeito da janela. O predio vizinho esta distante apenas alguns metros e vejo luzes acesas em quase todos os andares.
De repente, ouço a "amada" sirene do TR ecoar pelo predio e uma coisa pela qual eu nao esperava acontece. Uma folha de metal escorrega pelo vidro da janela trancando-a, e me impossibilitando de ver qualquer coisa la fora. Realmente, eles nos querem confinados. Volto para cama  e toco a tela de LED pedindo meu jantar. Como tristemente imaginando como meus pais estariam se sentindo em casa. Imagino que estejam com saudade. Ate mesmo Amarilis.
Assim que acabo percebo que nao tenho nada para fazer, e estou completamente sozinha. Preciso procurar algo para fazer antes que "Jackson" venha me fazer companhia. Pego meu celular e envio uma mensagem para Alexia pelo KickApp.

» Alice (on line)
O que voce esta fazendo? Me sinto completamente entediada...
(20:20 hrs)

» Alexia (online)
Estou me divertindo muitissimooo! - sqn -.- Somos duas, querida. Me conte que historia é essa de voce ja estar arrumando confusao com sua secretaria! (20:21 hrs)

» Alice:
Eu nao estou arrumando confusao com ninguem. Ela que é bem rispida comigo. Estou sem cabeca para lidar com ela.

» Alexia
Hum. Faca como eu faria: coloque ela em seu devido lugar! Jaja voce se formara e podera dar uma dura nela!
A minha, é o oposto da sua um amor! Voce deveria conhecer Diana. Ela é bem eficiente, e faz tudo o que mando. rs

» Alice
Nao va judiar da coitada! rs Oh, Alexia... queria que voce estivesse aqui.

» Alexia
Finja que estou do seu lado e me conte tudo. Mas por aqui. rsrs So nao va me dizer que esta prestes a surtar.

» Alice
Estou, mas nao dessa maneira. Voce lembra do soldado Wellington? Bem, ele veio com uma conversa bem estranha para o meu lado. Amanha conversarei melhor com ele.

» Alexia
Lembro sim. Como me esqueceria de um gato daqueles? Ele esta afim de voce? É isso? Sinto cheiro de coracoes.

» Alice
Nao sei. Mas, creio que nao seja isso. Amanha saberei.

» Alexia
Nao deixe de me contar nada. Por favor, quero ser a primeira a saber.

» Alice
E, a alguem mais para o qual eu contaria? Pare de besteira. Nao a nada entre eu e ele. NADA.

» Alexia
Sei. Amada, estou EXAUSTA. Me desculpe por nao ficar mais. Preciso domir. Faca o mesmo.

» Alice
Pode deixar. Ate amanha.

Era isso. La estava eu, o eco do vazio e meus pensamentos preenchidos por um sorriso gigantesco. Como eu podia voltar a lembrar dele? Era a loucura.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

[Belnegro] Capítulo 6

Contemplo prédios por todos os lados, e em diversos estilos. Não há casas em parte alguma da capital do Estado A. Poucas árvores dão um ar mais natural a essa selva de pedra cortada por avenidas largas. Assim que o carro da PFAC encontra o asfalto, percebo os pneus girando e desaparecendo, e o sistema de flutuação a jato sendo ligado. Dizem que o asfalto daqui é diferente. Ele apresenta um composto encontrado em imãs que em contato com uma placa de imã existente na parte inferior de alguns carros (que possui uma polaridade oposta a do asfalto) fazem com que eles flutuem alguns metros acima  do chão. O sistema a jato da conta da propulsão para o movimento. E agora vejo que é verdade. É algo impressionante ver os carros deslizando por toda parte.
Vários fotógrafos, e curiosos nos observam ao longo da avenida. Algumas pessoas acenam para mim como se eu fosse uma celebridade, e devolvo o gesto a elas esquecendo do nevorsismo de segundos atras. As pessoas do A usam roupas no estilo das que eu via apenas nos programas de moda na tv. Nem em vitrines das lojas do Governo havia visto algo tão deslumbrante. Olhando para minha roupa simples, me sinto fora de órbita. De repente, o vidro da janela se fecha, e muda para uma tonalidade preta. Por causa do susto, virei meu rosto para encarar minha secretaria nada feliz com minha recente atitude.
- Desculpe pelo susto, mas quero que lembre que não deve se considerar uma celebridade aqui. Você veio estudar, e trabalhar. Não mude o foco. - diz séria.
Eu não compreendia totalmente essas palavras.
- Só estava retribuindo o gesto a essas pessoas.
- Você deve permanecer séria. Deixe para retribuir quando estiver em frente as câmeras de tv. Por enquanto, você não irá repetir esse episódio.
- Você tem certeza que o problema é esse?
Eu sabia que não era esse o motivo para ela ter agido assim. Ela ergue uma sombrancelha para mim em uma expressão que me pergunta se eu ousaria repetir a pergunta. Bem, eu não gostaria de me dar mal logo no início.
- Tudo bem. Vou me controlar. - digo encerrando o assunto.
Eu sabia que eles não queriam que eu demonstrasse toda a minha perplexidade sobre aquele ambiente diante das pessoas daqui. Não queriam que eu demonstrasse o quanto tudo é diferente do restante do país. Mais uma repressão que teria que suportar porque a presidente Branca não queria encarar a verdade ou como se todos já não soubessemos e ela pudesse encobri-la.
Cruzo os braços e fico de cara amarrada o restante do caminho. Percorremos várias avenidas e em algumas delas várias pessoas acenam em direção ao carro mesmo que não possam nos ver. Depois de mais algumas voltas, chegamos em uma área com menos prédios e percebo mais a frente um gramado lotado de pessoas. Olho para o meu relógio de pulso e vejo que são 08:30 hrs. Pelo visto, muitos faltaram ao trabalho hoje. Sinto meu estomago borbulhando em antecipacao. Como vou manter a cabeca abaixada ali? Atrairia ainda mais olhares. Seria um escandalo sem prescedentes se descobrissem um inoperante aqui.Por trás da multidão, vejo a Universidade em todo seu explendor. Um hiper bloco de 7 andares dividido em 4 seções. A fachada tem um estilo moderno e os vidros dos andares superiores são espelhados. A fachada de entrada é gigantesca e possui duas colunas altas que dão um certo ar medieval contrastando com a parte mais tecnológica. Um grande monumento no meio do gramado mostra o nome e o emblema da Universidade em letras gigantes. O lugar é simplesmente fantástico.
Assim que paramos, vários jornalistas e alguns repórteres praticamente saltam sobre o carro. Antes de apertar a tecla de destravamento, Lucia me da instruções novamente.
- Lembre-se de cada palavra que lhe disse para não dar um passo em falso. - ouço o clique reverberando pelo espaço. - E, sorria!
Ela abre a porta antes que eu possa dizer qualquer coisa. Fico paralisada por dois segundos, mas retomo a consciencia, e saio. No mesmo instante, ouço cliques frenéticos no momento em que uma enxurrada de flashs me cega. Sinto uma mão apertando meu braço e me puxando para longe daquele lugar. Sigo Lucia por entre a multidão e percebo que ela é composta em maioria por adolescentes. Alguns dando entrevistas, outros conversando entre si ou com suas secretárias. Tento nao fixar em ninguem oor mais que 3 segundos. Só então lembro de uma pessoa. Alexia. Olho para as pessoas enquanto caminho para o que acho ser a entrada para o gramado. Não vejo-a em nenhum lugar. É muito improvável que eu a encontre no meio dessa confusão. Quando colocamos nossos pés sobre a grama, um repórter da BelTV se aproxima de nós seguido de dois auxiliares com câmeras. Alexandre Meyer é o apresentador do TeleNews, principal programa da BelTV. Ele não deve ter mais que 31 anos, e é bem, como posso dizer, excêntrico. Ele usa um blazer preto coberto por uma espécie de glitter dourado, e o cabelo todo bagunçado tem algumas mechas verdes. Ele cumprimenta Lucia e me da um sorriso cheio de dentes enquanto segura minha mão de longe com uma maneira afetada.
- Nos concederia uma entrevista? - ele pergunta com uma voz divertida ciente de que o reconheço.
- Claro.
- Qual seu nome e estado, querida?
- Alice Alencar. L.
Ele me ajuda a fixar um microfone em minha blusa enquanto os seus auxiliares se posicionam. Lucia se afasta e me dar um olhar de aviso por um segundo, mas volta a sorrir desfarçando. Me sinto nervosa assim que Alexandre se coloca ao meu lado. Um dos auxiliares faz sinal de ok com uma das mãos e enfim estamos no ar para toda Belnegro.

- Cidadãos de Belnegro, estamos aqui em frente a Universidade Secundária do Estado A cobrindo a chegada dos nossos mais novos Alunos Padrão que estão chegando de todas as partes do país!
Ele segura meu ombro puxando-me para mais perto.
- Estamos aqui com Alice Alencar, uma das APs vinda do Estado L. Querida, sabemos que você vêm do estado considerado o menos desenvolvido de Belnegro. Isso dificultou a sua eficiência nos testes?
Primeira pergunta: fácil. Sinto o nervosismo se dissolvendo. As palavras parecem estar se formando em minha mente.
- Primeiramente, bom dia as pessoas que estão nos acompanhando em casa. E, respondendo a sua pergunta, não, isso não dificultou meu aprendizado de nenhuma maneira. Pode até ter me dado mais motivos para estudar para ter alguma chance de chegar até aqui.
- Então, você é uma garota considerada Nerd? - diz enquanto seu olhar e a camera mais próxima percorrem meu corpo de cima a baixo. - Porque não parece combinar com seu estilo descontraído.
- Se eu cheguei até aqui acho que devo ser considerada uma Nerd. (risos) Mas, isso não quer dizer que muitos outros que não conseguiram uma vaga também não fossem tão bons quanto eu. E, em relação a meu estilo, eu nao diria descontraida, mas despreocupada. Nunca liguei para moda.
- Uau! - ele grita em êxtase enquanto aponta para mim. - Temos aqui uma garota que pode virar o centro das atenções em sua Universidade! E, falando nisso, você deixou alguém especial para trás?
- Apenas minha família.
Mais gritinhos.
- Não posso acreditar que você não tenha um namorado! Linda e inteligente, como me parece, deveria estar cercada por belos rapazes.
- Não temos tempo para pensar sobre esse assunto quando estamos nos esforçando para conseguir uma vaga. Quando digo que meus livros eram meus amores, não falo só por mim. (risos)
- OK! E quando lhe desejo sorte, creio que não falo apenas por mim, mas por toda Belnegro! - ele se volta para a câmera. - E, lembrem-se: A prática da lei molda o cidadao a favor da paz! Voltamos já!
As câmeras são baixadas e desligadas, e relaxo no mesmo instante.
- Obrigada, querida! - ele diz apertando afetuosamente meu ombro. - Tenho certeza que nos veremos em breve.
- Espero que sim. - digo e sorrio enquanto ele se afasta.
Todos gostam do jeito descontraído dele e do programa, e comigo nao é diferente. Enquanto vejo-o indo em direção a outro Aluno Padrão, Lucia aparece ao meu lado com uma colunista a tira colo. Juliana Spirolli é a colunista do jornal Dias Belnegro, o principal do país. Não teria como não reconhecê-la. Ela esta vestida com uma roupa azul clara que lhe dar um ar de executiva. Tem os cabelos ondulados mais lindos que já vi em um tom castanho-mel. Gostava de ler suas colunas informativas durante o intervalo na escola. Ela conversa baixinho com Lucia antes de me cumprimentar com um aperto rápido de mão.
- Sua secretária me passou algumas informações básicas e gostaria de gravar algumas perguntas de uma entrevista com você. Ela sai amanhã junto com outras entrevistas com os APs.
Mesmo me sentindo cansada e ansiosa para adentrar na Universidade fiz que sim com a cabeça. Lucia já me fuzilava com os olhos para que confirmasse.
- Basta responder com mais espontaniedade possível. - ela diz calmamente. - Tudo bem?
- Claro.
Ela aproxima o gravador para si e inicia a entrevista. Já não me sinto muito nervosa.

» Juliana S. : Como são os testes para ganhar uma vaga? São muito difíceis?
» Alice: O pré-teste, não chega a ser difícil já que são perguntas pessoais sobre o que você entende por alto sobre várias áreas profissionais. Algumas áreas tem perguntas como desafios para ver como você lidaria com determinada situação. O difícil mesmo é conciliar as matérias das áreas do resultado do pré-teste com as matérias tradicionais. Agora, o teste final é bem difícil. Mesmo que você tenha tido o preparo de um ano com as matérias que foram anexadas, encontramos algumas dificuldades com perguntas mais práticas.
» Juliana S.: Como foi quando você recebeu o resultado do teste final? Gostou da sua futura profissão padrão?
» Alice: Foi um momento único! Eu tinha esperança de conseguir uma das vagas porque sabia como tinha me dedicado a isso. Mas, mesmo assim, eu reli várias vezes o anexo para a ficha cair. Gostei muito do resultado, e espero dar conta da responsabilidade que a profissão requer.
» Juliana S. : O que foi o mais difícil até você chegar aqui?
» Alice: Bem, tudo foi difícil. O trajeto de uma maneira geral foi bastante árduo, mas eu tive um grande apoio familiar. (um apoio do tipo, ou vai ou vai, penso.) Agora, o mais difícil foi deixar meus pais para trás porque sei que a decisão de vir para cá me impossibitou de vê-los novamente.

Ela desliga o aparelho de gravação finalizando a entrevista e sorri para mim quando o guarda na bolsa, e me cumprimenta novamente.
- Foi um prazer conhecê-la, Alice! Boa sorte em seu novo trajeto e não esqueça de ler o jornal amanhã!
- Pode deixar!
Ela desaparece em meio a multidão e percebo um murmúrio se alastrando pelo lugar. Lucia olha para o seu relógio e me puxa em direção a entrada da Universidade.
- Hora da Cerimônia de Apresentação ao Corpo de  Funcionários. Vamos! - ela diz.
Eu só conseguia pensar em quando poderia ir para meu quarto e despachá-la. Já estava cheia de Lucia me comandando.
Uma fila foi formada para entrada e percebi que todos vasculhavam suas mochilas e depois prendiam o cartao-crachá em suas camisas. Fiz o mesmo com o meu. Não estávamos muito longe da porta de entrada. Umas 30 pessoas estavam a nossa frente. Dois soldados estao de sentinela nas portas. Aproveito para olhar um pouco mais a fachada da Universidade. Os andares são divididos em 3 blocos o que deixa o lado inferior parecido com degraus de uma escada. As janelas do bloco do meio são translúcidas e vejo algumas pessoas uniformizadas caminhando através delas. Nenhum policial. Na parte da esquerda vejo alguns soldados conversando e apontando para a nossa fila. Até que percebo quem está fazendo o gesto. Soldado Wellington. Olho de relance para Lucia as minhas costas, mas ela está totalmente absorta enquanto conversa no celular. Me viro novamente pensando em acenar ou sorrir para ele quando algo me chama atenção a alguns metros de distância dele e de seu grupo.
Um rosto tão familiar que eu jamais poderia esquecer contempla todo o gramado abaixo com um ar sério e compenetrado. A Presidente Branca está vestida com sua roupa preta normal de trabalho, e está ao lado de Eleanor Asbach , a diretora da Universidade. Ela é uma mulher de aproximadamente 45 anos, baixa com cabelos loiros em corte chanel. Está quase sempre carrancuda, e de cenho franzido. Ela é Ex-Policial da PFAC do A. Eleanor conversa avidamente com a presidente que nem sequer olha em sua direção. Em dado momento, a cabeça de Holtz se vira para baixo e eu juro que ela está me encarando. Olho ao redor e vejo que ninguém mais observa aquele ponto da Universidade. Me sinto constragida, e com uma ponta de medo. O que faria ela me encarar daquela maneira? Como se me conhecesse... Quando olho para lá novamente as duas desapareceram.

domingo, 20 de julho de 2014

[Belnegro] Capitulo 5

O rosto da Presidente Branca enche quase toda a tela. Poucas pessoas a chamam pelo primeiro nome. É como se pudessemos com isso deixa-la um pouco inferior. Atrás dela podemos ver uma pequena parte do gabinete da justiça com a bandeira negra de Belnegro com a insignia em dourado. Sempre me sinto amedrontada quando assisto um pronunciamento. É aterrorizante. Eles diminuem a intensidade da luz no gabinete o que da um ar morbido a situacao. Tambem nao ajuda a presidente esta completamente de preto. Desde a morte de sua mae, a sua "farda" governamental representa seu estado de luto.
Praticamente, corri da mesa de jantar junto com meus pais para ouvir o que ela teria a dizer. Ela é uma mulher de 65 anos, mas parece ser 10 anos mais jovem. É filha da falecida Presidente Júlia Martins. Penso que o dinheiro e o poder tenham ajudado para que ela permanecesse firme e aceitasse o cargo que os ministros lhe apresentaram em tempos de guerra. Ou talvez fosse algo mais profundo como um desejo de vinganca. O que explicaria muitas coisas.
Os cabelos negros já apresentam vários fios brancos que ela não se preocupa em esconder e até lhe dão um certo ar de sabedoria, os olhos castanhos estão sempre com um olhar sério e petrificante, o rosto é firme como de uma guerreira. Toda a sua postura mostra que ela está pronta para colocar em prática tudo o que quiser, e passar por cima de qualquer um que se atrever a cruzar o seu caminho. No geral, ela parece uma mulher inabalável. Quando eu era pequena sonhava em ser como ela. Mesmo que eu soubesse que era culpa dela eu ter vivido nas ruas. Sempre que via um outdoor com sua imagem enxergava apenas com admiracao.
A voz firme, e de tom doce se propaga da tela por todo o lugar e quase me deixo ser levada por um sentimento acolhedor diante daquelas palavras. Ela sabia usa-las a seu favor.
- Boa noite, cidadãos de Belnegro. - ela diz em um tom neutro. - Todos sabemos que hoje se inicia mais um ano, e com ele nos surge a lembrança dos dias negros. Eu estava lá quando os atentados provocados pelos protestantes abalaram todo o nosso pais. Compartilhei com todos a dor de ver nossa nação aos pedaços. - ela pigarreia como se afastasse uma lembrança ruim, mas permanece séria. - Mas graças ao trabalho incessante de cada um de nós, vimos o nosso país se erguer das ruínas.
- Ele está crescendo junto com a nossa confiança em um amanhã cada vez melhor. O que nos deixa imensamente gratos, pois temos trabalhado duro para dar a cada um de vocês as melhores oportunidades.
- Por isso, em comemoração aos 40 anos da Cerimônia de Entrega do Livro da NL aos nossos jovens que são o futuro da nossa nação, amanhã os novos Alunos Padrão serão enviados para as Universidades do Estado A. Com isso, abriremos vagas para aqueles que por qualquer motivo não tenham concluido o 3° ano do EM. Vocês poderão se inscrever para obter uma das vagas espalhadas por todo o país no site da Secretaria Municipal do seu estado que está aparecendo na parte inferior da tela.
- Temos a certeza que o futuro só pode ser construido com uma base firme se estivermos todos instruídos nos mais diversos conhecimentos e a partir daí, criando profissionais cada vez mais aptos ao seu trabalho. Por isso, hoje comemoramos com vocês a vitória que não é minha ou sua, mas de todos nós que damos o nosso melhor a cada dia. E lembrem-se: A prática da lei molda o cidadão a favor da paz!
Eu tinha a sensação de que a presidante Branca não falava só do país se erguendo das ruínas. Era como se ela estivesse falando sobre si mesma. Uma jovem que presenciou a morte de sua mãe pelas mãos de parte do seu povo sem poder fazer nada para impedir. Uma mulher que teve que esquecer da própria dor para assumir a responsabilidade de comandar um país inteiro. Porém, se eu estivesse em seu lugar, jamais me transformaria em uma ditadora. Uma governante que reprime seus semelhantes e finge a si mesma que esta dando a eles a melhor parte de tudo que existe de bom. Porém, pelo contrário, ela tem nos dado as migalhas que caem das mesas dos poderosos. Nos alimentado com as migalhas da sua própria mesa.
Mas, a mim ela não engana.
Sei que não devemos viver presos aos erros de pessoas do passado, e trazendo eles a tona para justificar nossa conduta. E, o mais importante, não podemos punir aqueles que não tem culpa do que aconteceu conosco. É a isso que a nossa líder tem se agarrado. Há um passado perverso para tirar o foco do presente desastre que tem sido a vida do país. Acho que tenho mais pena dela do que de mim. Mesmo com minha dor sei ser altruista.
Amarilis parece contente depois do fim do pronunciamento. Ela nao ve nada demais no regime em que vivemos. Se conformou. Meu pai está desconfortável e passa uma mão pela barba como se estivesse com um grande "e SE?" diante de si. Bem, eu continuo achando que há mais do que uma comemoração cheia de "oportunidades" para as pessoas. Me assusto quando a sirene da patrulha noturna ecoa pela cidade. Toque de Recolher. Nunca consegui me acostumar a isso. Não só ao som, mas a essa imposição. Mais um lembrete de quem é que está no controle.
Me levanto e vou para o meu quarto como faço todos os dias após esse momento. Seria hora de ir fazer as atividades da escola ou dormir. Hoje, eu não tenho nenhuma das duas escolhas. Sento na cama e encaro a mochila que será tudo o que me sobrará dessa vida. Me deito ao lado dela totalmente consciente de que essa será a ultima vez que estarei aqui. Imagino o que Alexia estará fazendo agora, e o restante dos Alunos Padrão. Alguns devem estar rindo e pulando de alegria, outros se vangloriando a quem puderem, e outros devem estar como eu, tristes com a perspectiva de deixar tudo para trás. Nao exatamente como eu. Os inoperantes nao iam a escola.
Não percebo quando a porta do quarto se abre, nem quando meu pai puxa a cadeira da escrivaninha para mais perto de mim. Só o percebo quando ele toca meu braço e me da o sorriso mais sincero que um pai poderia dar a um filho. O sorriso que esconde um pouco da dor para transmitir força. Mesmo que seja um grande contraste com a atitude dele de mais cedo, experimento uma sensacao de conforto.
- Não se sente bem, querida?
Eu podia sentir uma outra pergunta escondida ali. Você acredita nas palavras dela? Ele queria falar sobre a presidente comigo.
- Não. - me sento de frente para ele. A luz fraca do quarto cintilando em seus cabelos. - Como eu poderia?
- Tem pessoas que devem estar felizes com isso. - ele diz rindo. - Voce deveria estar tambem. É uma boa oportunidade.
- Nao totalmente. - suspiro. - Voce acreditou naquelas palavras?
Eu sabia que nao. Eu o conhecia muito bem. Meus livros atras dele eram a melhor resposta.
- Sera uma coisa boa para algumas pessoas. Para quem souber aproveitar.
Ele me encara com um sorriso torto no rosto como se eu tivesse descoberto um segredo que ele estivesse feliz em compartilhar.
- Estou com medo, pai.
Digo a unica coisa que me vem a mente. Uma ultima tentativa.
- Vai da tudo certo. Prometo a voce. Algum dia quebrei minhas promessas?
- Nao. Mas, voce nao estara la.
- Eu vim lhe dizer uma coisa, Alice. Preste atencao. Independente da distância que eu e sua mãe estivermos de você, nunca nos perderá. Então, não perca tempo pensando nisso. Voce ja é quase maior de idade. Ja chegou a hora de deixar esses medos para tras nao acha? Confio em voce.
Olho para nossas mãos enlaçadas uma a outra e vejo que ele tem razão. Preciso manter a calma.
- Tudo bem. Mas, porque voce quer tanto que eu va para o A?
Ele me olha serio. Seu olhar cortante me incitando a procurar as respostas por mim mesma.
- Na hora certa, voce entendera. É uma oportunidade muito boa.
Ele levanta para sair, e quando já está na porta o chamo e ele se vira.
-  Eu sei o que você pensa sobre isso. De verdade. E eu quero que saiba que vou tentar encontrar as respostas certas.
- Eu sei que sim. Confio em você. - ele fala enquanto fecha a porta. - Boa noite.
Eu nao queria decepciona-lo. Se ha algo para descobrir, eu espero que eu encontre a resposta. Eduardo era um homem de charadas, meias-palavras e nao passava a mao na cabeca de ninguem. Se ele nao me disse a razao é porque acha que consigo descobri-la por mim mesma. So preciso confiar em mim.
      +++

O alarme do meu relógio de pulso soa como em todas as manhãs. Por um momento, ainda inerte pelo sono, pensei que estaria indo me preparar para mais um dia de aula. Até que a verdade me sacudiu com suas mãos frias e impacientes. O alarme continua tocando enquanto eu tento descobrir o que fazer. Tenho vontade de arranca-lo, e jogá-lo contra a parede. Estou cansada de ter minha vida controlada. Estou farta de não ter escolhas. Em algum lugar dentro de mim, eu sei que isso tem que mudar. Que eu devo tomar as rédeas da minha vida. Mas, isso implicaria tomar rumos diferentes do que as pessoas ao redor esperam de mim. E nao posso fingir que so estou viva pela ajuda delas.
Amarilis abre a porta do quarto com violência no momento em que me levanto e sacudo os lençois. Quando ela me encara vejo o quanto esta lutando para permanecer firme. Ainda que soubessemos a vida inteira que se eu conseguisse a vaga teria que ir embora definitivamente, também sabiamos que isso nao era justo. Mesmo que fosse um sonho impossivel se realizando, o que me deixa feliz de certa forma, ele vem com um pacote de contras que fazem tudo ficar cinza.
- Você precisa ser rápida! Já esta quase na hora. - ela comanda.
- Ja estou indo. - suspiro. - A senhora, pode me esperar lá fora. - ela me da um olhar magoado, mas faz que sim com a cabeça e saí.
Não quero ser ríspida ou egoísta, mas é difícil olhar para ela e fingir que não tivemos aquela conversa. Estou mais chateada com isso do que esperava. E sei que nao deveria. De certa maneira, ela me acolheu tambem. Mas, é como o ditado do meu pai diz: Cabeça erguida, sorriso no rosto e força nos calcanhares. Irei levar comigo essas palavras para sempre. Corro para o banheiro e tomo uma chuveirada rápida. Já no quarto, procuro por uma roupa apresentável ja que logo mais estarei nas telas de tv de toda a Belnegro. O que seria complicado ja que nem imagino como me comportar diante das cameras. Pego uma blusa branca com capuz com uma estampa com o número 35, uma calça jeans preta, e meu tênis All Star preto. Me visto, e em seguida vou para frente do espelho. Espalho um pouco de gel sobre as mãos e passo no meu cabelo curto tentando deixa-lo com um ar mais sofisticado e arrumado. Na escola secundaria, eu o usava comprido porque meu pai achava lindo como ele caía em uma cascata negra sobre minhas costas. Mas, senti uma vontade de mudar de estilo radicalmente. Nao queria me lembrar do passado. Então, eu pedi a Alexia para corta-lo, e ela o fez. Eduardo pirou por varios dias, mas acabou aceitando.
Aplico um brilho fraco nos lábios, lápis nos olhos e voalá, estou pronta! Pelo menos, o mais preparada possível. Me dou uma última olhada enquanto penso sobre o que as pessoas vão achar ao me verem na tv. Uma garota pálida, estatura mediana e com um estilo despreocupado. Acho que ficarei quase invisível. Não sou dessas que liga para moda. Não gosto que me emponham nada. Escolho o que me cai bem, e que me deixa confortável. Pelo menos nisso, sou decidida.
Pego a mochila, e a coloco nas costas. Olho para o meu quarto tentando lembrar de cada detalhe. Dos posters nas paredes, dos meus poucos livros favoritos, da arrumação dos móveis... Dou passos vagarosos até a porta, e no último instante lembro de uma coisa. Volto até a escrivaninha e abro minha agenda. No meio das páginas há uma foto minha com meus pais. Pego-a e coloco dentro da mochila. Quero levar uma recordação a que possa me apegar nos momentos de solidão.
Vou em direção a sala e vejo meus pais sentados juntos no sofá. Eles nao se olham. Nao se tocam. Eduardo esta com o olhar perdido. Amarilis parece triste enquanto encara o vazio. Todas as familias que tenham um dos Alunos Padrão declarados na cerimônia de ontem vão poder tirar folga hoje para poderem se despedir e ver nossa chegada ao Estado A ao vivo pela BelTV. Me aproximo deles sem saber o que fazer ou o que dizer. Estamos retraidos por conta da situacao. Eles acabam se afastando para que eu possa me sentar entre eles. Olho para o meu relógio e vejo que ja são 06:45 hrs.
- Sentiremos muito sua falta. - meu pai diz com a voz entrecortada.
- Eu tambem. - digo. - Eles trouxeram algum item para cá para podermos nos comunicar?
- Ontem a noite depois do TR, um auxiliar padrão veio instalar o Wi-Fi e trouxe um notebook. - meu pai diz e suspira. - Mas nada poderá suprir a sua falta física.
Nos abraçamos por uns dois minutos antes do meu pai falar novamente.
- Filha, tome cuidado, e veja bem com quem fará amizade. Até a melhor das pessoas pode não passar de uma fachada.
Eu sabia disso. Que o diga a presidente.
- Tomarei cuidado.
- Estude bastante, e faça seu trabalho com dedicação. - ele diz. - Estamos orgulhosos de voce, e confiamos que fara o correto. E mantenha a calma. Tudo dara certo!
- Espero que sim...
Nesse instante, ouço um carro parando em frente a casa. Chegou a hora. Meu pai se levanta e vai em direção a entrada. Amarilis murmura que está tudo bem para mim, mas não estou nervosa. Só me sinto sufocada. Meus pensamentos são cortados quando uma mulher loira e alta de uns 25 anos entra na sala. Ela está usando um vestido preto e carrega nos braços uma prancheta com alguns papéis. Pressinto que seja minha secretaria padrão.
- Bom dia! - ela diz em um tom mecânico. - Vocês podem assinar estes papéis para mim?
Ela entrega a prancheta a minha mãe, e fica de pé ao lado dela dando instruções. Quando ela termina passa os papéis para meu pai que faz questão de ler cada palavra deles antes de assinar. Percebo que a secretaria me encara e assim que olho para ela uma mão é estendida em minha direção.
- Me perdoe por não me apresentar corretamente. - diz rindo. - Meu nome é Lucia Benite. Sou sua secretaria.
- Prazer, Lucia. - digo apertando a mão dela com gentileza. - Vamos agora?
Lhe dou minha melhor expressão de por favor, não!
- O mais rápido possível! - ela olha para o seu relógio como se cada segundo passado fossem horas perdidas.
Ela recolhe os papéis das mãos de meu pai, e começa a falar rápido enquanto me levanto ja com a mochila nas costas.
- Bem, acho que vocês sabem o que fazer. Nessa folha, - ela diz entregando-a  a minha mae. - vocês tem os dias e horários em que poderão entrar em contato com sua filha. Qualquer coisa que acontecer a ela, avisarei imediatamente a vocês. Se tiverem quaisquer dúvidas podem enviar um e-mail para mim a qualquer hora.
Ela se vira para mim enquanto arruma a bolsa que carrega embaixo do braço.
- Voce está levando seus itens auxiliares? E qualquer outra coisa que precise?
- Sim.
- Então, podemos ir.
Ela segue em disparada para o portão sem se dar ao trabalho de ver se a estou seguindo. Sem que eu perceba, meu pai salta sobre mim e me esmaga em seus braços. Ate mesmo, Amarilis se junta a nós. Só tenho tempo de dizer mais uma vez que sentirei falta de casa antes de Lucia me chamar aos gritos.
Entro no carro da PFAC e me sento sozinha em um dos bancos traseiros. Só tenho um segundo para sorrir para meus pais antes que o motorista acelere com tudo. Passo a cabeça pela janela, e aceno para eles. Minha mãe chora descontroladamente na camisa do meu pai que acena com a cabeca para mim como quem diz: "Faça o que for preciso."
Tentarei, penso.
- Quando chegarmos a Universidade vários jornalistas, fotógrafos, e o pessoal de filmagens da BelTV estarão esperando na parte de fora. Ávidos por informações. Tente dar respostas breves, e pense no que vai dizer. - Lucia diz com o olhar perdido na paisagem do lado de fora da sua janela. - Não vai querer se complicar logo no início.
Eu compreendia o que ela estava dizendo. Era esperado que eu não dissesse nada que pudesse sujar o nome da presidente Branca.
- Não precisa se preocupar comigo. Sei o que devo fazer.
Novamente, não queria parecer bruta, mas essa situação me deixa uma pilha de nervos. Ela não faz menção de dizer mais nada durante o trajeto, então aproveito para olhar a paisagem do lado de fora. As casas, as praças, as lojas do Governo, estão dentro do padrão L. Tudo o mais sem graça possível. Meu coracao esta a mil, e agradeco por ter um vidro fumê entre nossos bancos e o do motorista que deve ser um policial da PFAC. Depois de alguns minutos, posso identificar a barreira se erguendo na fronteira do estado. Do outro lado fica a capital do Estado A. Os estados foram dispostos ao redor do A para manter-nos próximos o bastante para que soubessem o que estávamos fazendo, e se precisassem intervir, teriam uma entrada rápida e eficaz.
A barreira chega a mais ou menos 25 metros e tem algumas torres com vigias. Vários soldados andam no topo dela armados até os dentes. A saída/entrada do estado é um super portão de aço com um design elegante. No meio das duas portas que o formam está entalhado a insígnia de Belnegro. É algo assustador. As casas chegam até 3 kilometros de distância da barreira por segurança, e esse espaço livre é preenchido por uma curta campina. Há alguns quilômetros a frente vejo o início do gramado por trás de algumas casas. Lucia pigarreia tentando chamar minha atenção.
- Em poucos minutos estaremos no A. Lembresse do que eu disse. Estarei ao seu lado, e se tiver alguma dúvida do que responder olhe para mim pelo canto dos olhos e tomarei a palavra. - ela suspira. - E o mais importante, não saia de perto de mim. Só vamos parar na Universidade.
- Existe outra Universidade próxima a minha?
- Não. As outras estão espalhadas pelo restante do estado.
Ela vira o rosto para o outro lado encerrando a conversa. Quando volto meu rosto para a janela vejo que chegamos a campina. Um pouco a frente, os portões estão sendo abertos e um túnel aparece. Arrumo meu cabelo da maneira que acho mais propícia, totalmente ciente que logo as câmeras estarão sendo direcionadas para mim. Sinto minha visao escurecendo, a taquicardia comecando. Nunca me senti tao nervosa como agora. Nem mesmo quando estava prestes a fugir da casa de Jackson. Entramos no túnel, e uma luz forte me cega e bloqueia qualquer imagem do lado de lá. Quando o carro sai em uma velocidade mínima, o Estado A nasce a minha frente em uma paisagem da qual nunca poderei esquecer.