sábado, 31 de maio de 2014

[Overrun: Sombras Ocultas] Capitulo 3

Com alguma dificuldade, comecei a perceber que os tremores nao vinham originalmente do meu corpo. Quando olhei na direcao para a qual Marcelo estava apontando percebi uma escuridao se movendo para cima e a nevoa ondulando. E o som do vento se foi. Nenhum de nós ousou dar um passo a frente, mas estavamos todos com as armas em punho. Anandi estava assumindo novamente sua postura de guerreira com um rosto serio e o corpo firme. Assim como Diana. De repente, a sombra a frente parou. Ou melhor, eu pensei que havia parado.
- Fiquem aqui. Eu e Jefferson vamos dar uma olhada. - Marcelo disse sobre o ombro na sua melhor voz de comandante.
Pena que nenhum de nós estavamos dispostos a acatar.
- Eu nao vou ficar aqui. Voce viu o que aconteceu conosco la atras. - Diana diz segurando o braço de Marcelo.
Ele estuda o rosto dela por um momento antes de assenti e suspirar.
- Tudo bem, mas fiquem juntos. Qualquer coisa, gritem.
Andamos bem proximos, nossos olhos erguidos para a imensa sombra a frente que parece bloquear o caminho. O problema é que ela nao esta se movendo.
- O que é? - pergunto para Marcelo que esta um pouco a frente olhando fixamente para o alto.
- Venham cá e vejam com seus proprios olhos. - ele diz.
Ele para com a espada abaixada e o olhar perdido. Logo a nossa frente, um muro bloqueia a passagem pela ponte. Sigo com o olhar a altura da parede ate ela se perder na nevoa. Ela esta recoberta por uma especie de touceira da cor de lodo. Assim que Marcelo leva a mao para toca-la a coisa toda chia como um rato acoado e ele afasta a mao assustado.
- O que é isso? Parece vivo. - Jefferson fala olhando a parede de musgo mais de perto.
- Nao se aproximem dessa coisa. -Anandi diz raivosa ao meu lado.
- Podemos passar pelos lados, certo? Jefferson poderia levar um de cada vez. - falo.
- Vale a tentativa. - Diana fala parecendo nao acreditar bem na minha ideia. - Melhor ele ir sozinho primeiro para fazer o teste.
-E se acontecer alguma coisa a ele? - pergunto.
- Marcelo pode me ajudar. - ele diz sem nenhuma expressao.
- E se ele nao conseguir e voce for capturado por alguma armadilha? Nenhum de nós poderia ajudar.
Ele vem ate mim e coloca uma mao sobre meu ombro. O olhar dourado firme.
- Eu preciso tentar.
Antes que eu fale mais uma objecao aquela ideia, ele alça voo. Todos seguimos ele ate a borda da ponte e ele desaparece indo para o outro lado. Ficamos apreensivos quando varios minutos se passam e ele nao volta.
- Sera que ele caiu em uma armadilha? - pergunto.
Antes que alguem me responda, algo toca minhas costas me assustando. Com a espada erguida me viro pronta para atacar. Mas paro assim que o vejo.
- Voce quer me matar?! - digo furiosa.
- Eu ia perguntar o mesmo para voce.
Rolo meus olhos. Suspiro.
- Porque demorou tanto?
Elebolha para a parede enquanto esperamos pela resposta.
- Isso nao é bem uma parede ou muro. Parece mais um tijolo gigante. Vai ao que parecem 15 metros a frente. Demorei para dar a volta, mas parece tranquilo. - ele diz normalmente.
Encaramos uns aos outros como se dissessemos: "Quem vai começar o jogo?" Ninguem faz mencao de falar alguma coisa. Nenhum deles quer ir primeiro. Nao enquanto podemos ouvir os cipós chiando as nossas costas.
- Eu vou. - digo finalmente.
- Melhor eu ir. - Marcelo afirma.
- Voce tem que ser o ultimo porque se acontecer algo so vove pode ajudar. Eu nao consigo voar. - Diana diz.
- Eu nao vou. - Anandi diz como se alguem houvesse dado a sugestao.
- Entao, esta decidido. Ele me leva e depois vem buscar o proximo. - digo me aproximando de Jefferson e os outros ficam em silencio.
Ele me toma facilmente em seus braços o que me da um certo alivio. Seu corpo é quente o bastante para me fazer esquecer nao so do frio como tambem do perigo a frente. Ele me olha nos olhos e me da um sorriso malicioso enquanto suas asas começam a cortar a nevoa que se espalha.
- Tomem cuidado. - Marcelo diz enquanto subimos um pouco no ar.
Percebo que Jefferson esta com dificuldade de me carregar pelo modo como sua respiracao se arrasta e pela nossa velocidade. Ele nao diz nenhuma palavra, mas enquanto olho para seu rosto vejo o quanto eles esta se esforcando. Se ele mal consegue me levar como vai conseguir trazer todos eles?, penso. Desvio o olhar para o muro para nao ter que pensar nisso. Observo os cipós se movendo lentamente quase imperceptiveis. O chiado parece estar aumentando agora que somos dois. Voamos por mais um minuto ate que ele me coloca no chao.
- Diga para Marcelo tentar vir agora e... sozinho. - digo e dou um abraço nele.
- Voce acha que ele consegue?
- O que eu acho é que voce nao conseguiria trazer os tres ate aqui. Va logo e dê meu recado para ele.
Ele se abaixa por um segundo e beija minha testa.
- Tudo bem. Volto logo e qualquer coisa, grite.
Observo ele voltar pelo mesmo lado que viemos. Se eu gritasse eles nao poderiam me ouvir a essa distancia e com esse chiado. Pego minha espada e a trago para perto do meu rosto. Tento enxergar meu reflexo nela, mas sem o seu brilho, ela esta fosca e nao vejo nada alem de uma sombra distorcida no metal. Quando a abaixo percebo algo se arrastando no chao lentamente para perto dos meus pes. Uma corda. Quando ela percebe, nao sei como, que estou levantando a espada para corta-la, ela se ergue como uma cobra, chia agressivamente para mim e ataca. Brando a espada para ela com força e quando ela toca o cipó, minha mao volta me atingindo e sou jogada para tras. Antes que eu consiga me levantar a coisa salta para mime agarra um dos meus pes. Me arrasto para tras puxando meu pe, mas o cipo é forte demais. Dou um golpe com a espada onde boa parte dele se enroscou, mas a lamina nao consegue cortar. A unica alternativa que me sobra é gritar e puxar a perna, mas nenhum dos dois surte efeito. Ninguem vem me ajudar e começo a imaginar que os cipos atacaram meus companheiros do outro lado.
Ataco com a espada novamente quando vejo minha perna totalmente enrolada pelo cipo que ainda esta avancando. Ouço chiados a frente e quando levanto a cabeça me deparo com mais cipos se arrastando em minha direcao. Um deles segura minha outra perna e outro tenta atacar meu braço que esta segurando a espada. Quando ele dar o bote, lanço a espada para ele e ela rebate caindo da minha mao a alguns metros. Percebendo meu fracasso, o cipo agarra meu braço e o aperta com força enquanto se enrosca nele. Meu corpo ja esta quase todo coberto como de uma mumia, me restando apenas um braço e a cabeça livre.
Com a mao livre tento puxar os cipos, mas eles estao infincados no meu corpo. Esculto um novo chiado que pega minha mao livre e sou puxada com violencia para o chao. Minha cabeça doi no ponto onde acertou na pedra e pontos brancos dançam em minha visao. Fecho os olhos sabendo que nao a mais nada o que fazer. Sinto o ultimo cipo fazer o seu trabalho e estou dentro de um casulo sendo arrastada para algum lugar. Eu nunca pensei que meu fim seria algo como isso. Devorada por cipos maniacos.
Os cipos estao me puxando provavelmente para perto da parede. Devem me pendurar em algum lugar fora da visao de qualquer um. Nao consigo parar de pensar nos outros e se estao na mesma situacao que eu. Por favor, que alguem tenha conseguido escapar. Sei que nao adianta pensar neles agora. Preciso encontrar uma forma de quebrar esse casulo e fugir para o mais longe desse muro assassino. Meu corpo bate contra a parede
quando começo a ser erguida para o alto do paredao. Sinto outros cipos se enrolando ao casulo e ajudando a me puxar. Minha sorte que tenho um pouco de espaço entre mim e os cipos. Eles acabaram me soltando para enrolar todo o corpo ao inves dos mebros separadamente. Mas, eles amarraram minha maos a frente do meu corpo. Minha segunda sorte é a de que os cipos proximos ao meu rosto nao estao bem colados e posso respirar quase normalmente.
O chiado parou agora que estou ao alcance de seja la o que for que esteja controlando essa coisa. Alguns minutos se passam ate que eu sinta o movimento parar. Estou pendurada de cabeça para baixo e sinto que o meu sangue esta concentrando em minha cabeca. Quase posso ve-la vermelha como uma pimenta. Tenho pouco tempo. Tento cuidadosamente , para nao chamar a atencao dos cipos, soltar uma de minhas maos. Como sou magra qualquer afrouxamento do nó e estou praticamente livre. Puxar. Esticar. Girar. Puxar. Est... O suor começa a descer por meu rosto por que de alguma maneira o casulo esta aquecendo. Puxar. Esticar. Girar. Minha cabeça começa a latejar e doer. Mal sinal. Puxar. Girar. Puxar. Um brilho no meu peito me chama a atencao. Meu colar de Overrun. Puxar. Puxar. Soltar. O suor acabou ajudando a escorregar minha mao para fora. Com ela afrouxo o outro nó e pronto, maos livres. Agora so falta o resto do corpo.
O colar ainda esta brilhando e me parece um bom sinal. Lembro que minha adaga esta pendurada no cinto ao redor do meu corpo. Nao sei como vou fazer para alcança-lo, mas tem que ser rapido. Sinto minhas maos ficando dormentes e a tontura chegando. Procuro rastejar minhas maos para cima lentamente, mas nao consigo fazer nenhuma das duas chegar proximo ao cinto. De repente, sinto algo molhado tocar meu couro cabeludo. Nao, nao. Preciso de mais tempo. A agua começa a jorrar de poros nos cipos e nao so da parte abaixo da minha cabeça. Chuva. Parece que esta chovendo aqui dentro. O liquido é quente e espesso, e nao tem um cheiro agradavel. A agua começa a cobrir meus olhos agora e sou obrigada a fecha-los. Pânico. Tento levar uma das maos para cima deseaperadamente. Nao tenho mais tempo para me preocupar com a porra dos cipós. Tum. Tum. Tum. A agua ja esta acima dos meus ombros e esta chegando rapidamente ao meio do casulo.
Uma das minhas maos encontra o cabo da adaga e eu a puxo. Puxar. Puxar. Puxar. Esta presa no tecido do cinto. O liquido ja esta quase nos meus joelhos. Puxar. Respirar. Engasgar. Falta pouco para que eu morra sufocada. Nao vou aguentar segurar por muito mais tempo. Puxar. Arrancar. Soltar. Consigo tirar a adaga do cinto, mas tem um ultimo esforço. Tirar a tampa. Tiro-a rapidamente e sinto meus membros começarem a formigar. Abro os olhos no meio do liquido esverdeado e la esta o brilho da adaga. Lanço-a para cima e quando ela atinge os cipos, eles se cortam.
A agua jorra imediatamente para fora e corto desesperada os cipos ao meu redor. Porém, eu nao estava pensando no que estava fazendo. Quando se em panico nossas atitudes sao desesperadas e as mais impensaveis possiveis. Foi bem isso que aconteceu comigo. Cortei ate onde pude sem pensar nas consequencias. Quando dei por mim ja estava caindo e estava em uma altura mais alta do que pensava. O casulo estava a uns 20 metros do chao. Nenhum cipo tentou vir atras de mim. Para falar a verdade, eles pareceram se afastar ao sentir a lamina da adaga. Estavam com medo. Nao esperavam por isso ja que esse lugar consome os poderes de tudo. Eu ja estava tonta, fraca e quando meu corpo entrou em contato com a massa fria fora do casulo, eu tive um choque. Faltavam 10 metros para a colisao e antes que minha consciencia se fosse, em cada segundo antes disso, eu so conseguia pensar nas asas de Jefferson tao macias e puras. Quase pude ouvir o som que elas faziam ao cortarem o ar. Em meio a dor, a exaustao, eu sorri. Entao, o mundo ao meu redor caiu na escuridao. Ou sera que fui eu?

quinta-feira, 29 de maio de 2014

[Overrun: Sombras Ocultas] Capitulo 2

Uma luz começa a se alastrar por todo o corpo de Jefferson enquanto ele se levanta assustado. Me afasto cobrindo os olhos com um dos braços. Após alguns segundos a luz abranda ate sumir e olho diretamente para ele. As asas estao la intocadas, a nao ser pelo brilho que se foi. Mas a armadura de Ronái desapareceu e ele esta com suas roupas normais. A camiseta branca com os botoes abertos em uma gola v e a calça jeans de quando saimos de casa para entrar nesse mundo. A quanto tempo? Eu nao saberia dizer. Porém, algo mudou nele. Quando ele se vira para mim é como se outra pessoa estivesse em seu lugar. Um homem relativamente forte, nao musculoso demais, a altura de Ronai ainda permanece com ele e seu rosto parece mais velho. Mas os olhos dourados ainda estao la inundados de poder. O cabelo antes espetado, agora esta maior e bagunçado quase cobrindo seus olhos. Essa visao praticamente me derrete e esqueço do frio, das duas mulheres renascendo no chao a meus pés, dos olhos sobre nós.
- Um anjo... - eu murmuro.
Sim, um anjo. Da maneira como eu sempre imaginei. Tao puro e com asas verdadeiramente brancas. Ele nao vem ate mim e parece ainda assustado quando fala.
- O que aconteceu comigo? - ele pergunta olhando para Marcelo.
- Voce deu um pouco da sua essencia e acabou perdendo alguma coisa. Voce nao é um anjo de verdade e por isso esta mudando.
- Eu... posso deixar de ser um a qualquer momento?
- Nao tem como sabermos. Daqui em diante voce nao fara mais nenhuma troca de essencia como cautela.
O rosto dele se contorce com tristeza. Ele se acostumou a ser um anjo e posso ver isso nos seus olhos quando eles me encontram. Vou ate ele e seus braços me envolvem. Percebo que Anandi e Diana ja estao de pé e bem. Elas
olham para nos parecendo nao saber o que dizer diante do que veem. Diana da um passo a frente e fala:
- Devemos ir agora. E precisamos ter cautela. Algo me diz que essa ponte ainda guarda muitas armadilhas. - ela abaixa um pouco a cabeça e continua. - E, obrigada por nos salvarem. Voces poderiam ter nos deixado la embaixo. E agora me sinto responsavel pela perda do garoto.
- Nos nunca deixariamos voces la embaixo. Voces fazem parte disso tanto quanto nos. Nao precisam agradecer. - Jefferson diz. - Nao se preocupe comigo. Eu sou mais do que isso em primeiro lugar.
Olho para Anandi e percebo seu olhar recaido sobre ele. Parece estar encantada com Jefferson. Mas nao a culpo. Teria que ter muita força de vontade para ser indiferente.
Começamos a caminhar com Anandi, Diana e Marcelo a frente e, eu e Jefferson na retaguarda. Armas em punho e olhos cravados no chao para o caso de alguma corda estar espreitando na nevoa. Minha mao livre e a de Jefferson juntas como a muito tempo nao haviam estado. Procuro algo para dizer porque nao quero que um muro fe constrangimento e silencio acabe nos afastando.
- Eu achei que voce ficou melhor assim, Jefferson.
Pelo canto dos olhos vejo um sorriso se formando em seu rosto, ele abaixa um pouco a cabeça e o cabelo cobre seus olhos.
- Voce acha mesmo? Eu me sinto bem assim tambem. Obrigado.
- Voce nao imagina o quanto parece melhor agora. Nao que antes... Voce sabe.
- Estou entendendo. - ele diz rindo. - Voce tambem parece otima, sabia?
Olho para mim mesma, para o pouco visivel sem um espelho e parece tudo tao normal quanto antes. Ainda meio magra, a mesma roupa de antes, o mesmo cabelo ondulado em cachos.
- Estou como sempre estive. O anjo aqui é voce.
- Nao. Voce mudou, Laura. Tanto por dentro, quanto por fora. Esta mais firme e segura.
- Voce nao sabe o que diz. - digo olhando em seu rosto e ele abre uma das asas e cobre as minhas costas como se fosse o mesmo que repousar o braço sobre o meu ombro.
- Voce nao sabe o que diz. - ele fala em uma imitacao de mim e sorrio para ele.
- Qual o lance com a asa? - digo apontando com um gesto de cabeça para tras.
- Voce me atrai, Laura. Ela simplesmente foi. Acho que quer te proteger.
Me sinto corar como um pimentao.
- Nao diga isso! Me faz me sentir como uma boba. - falo. - Mas eu gosto da coisa com a asa.
Sinto-a se grudar ainda mais as minhas costas e o calor emanar para o meu corpo tao quente quanto um abraço.
- Fico feliz em ser util. - ele diz parecendo ler meus pensamentos e reviro meus olhos.
Andamos ainda por algumas horas ate que somos obrigados a fazer uma parada para descansar. Nos sentamos proximos a uma das tochas na borda da ponte fazendo um circulo ao redor dela. O problema é que elas nao foram feitas para esquentar. Mal conseguem facilitar a nossa caminhada com alguma luz. O silencio paira entre nos tao pesado quanto o frio que ja começa a nos rondar. Olho para os rostos de todos ali e vejo quanto nosso grupo sempre foi estranho e agora parece ainda mais. Anandi e Diana parecem desconfortaveis em nossa presenca e murmuram entre si desconfiadas. Marcelo parece curioso enquanto olha para elas. Parece estar prestes a quebrar o silencio.
- Acho que voces deveriam nos contar como chegaram ate aqui. Precisamos nos conhecer para termos alguma confiança uns nos outros.
Diana olha diretamente nos olhos de Marcelo como se estivesse com dificuldade de entender as palavras. Ela hesita por um momento e balança a cabeça antes começar a falar.
- Tudo bem. Acho que devemos isso a voces de qualquer maneira. Nao vou contar como conheci Anandi e em que circunstancias porque nao vem ao caso. - ela suspira e continua. - Nós entramos em um portal em uma floresta perto da casa de Anandi e fomos levadas para a cidade do fogo selvagem.
Marcelo se agita no seu lugar e seus olhos saltam das orbitas.
- A cidade onde os anjos sao criados? - ele diz.
- Exatamente. Os anjos nos acolheram e nos ajudaram a conseguir nossa parte do amuleto que estava sendo guardado pelo lendario dragao vermelho. Depois disso, o dragao nos ajudou a transpor o portal que nos trouxe ate aqui, mas ele desapareceu assim que nos descobrimos na ponte.
- Ainda nao posso acreditar que voces estiveram la. Nenhum anjo volta para aquela cidade depois que ele é mandado para nosso lugar.
- Eu quase nao acreditei. Mas era inegavel. - ela diz desconfortavel. - Agora que ja contei pelo que passamos sinto que voce deve fazer o mesmo.
- Eu vou contar. Mas quero detalhes sobre essa cidade mais tarde.
- Eu lembro de pouca coisa agora. As lembranças estao sumindo, mas prometo falar o que sei.
Marcelo começa a contar como chegamos ate Konden, como os Ronáis foram agressivos conosco e, como Konoch nos trouxe ate aqui e teve que se sacrificar por nós. Diana e Anandi ouvem a tudo atentamente, principalmente a garota que parece muito animada com a historia. Imagino que a jornada delas ate agora foi facil pelo modo como elas contaram que os anjos as acolheram. Para nós, pelo contrario, apareceram inumeros obstaculos.
Quando Marcelo termina de contar todos os minimos detalhes, ele convida Diana para dar uma caminhada pela nevoa para provavelmente fazer mais perguntas sobre a misteriosa cidade de fogo. Entao, resta apenas Jefferson, Anandi e eu. A garota joga algo pequeno e preto de uma mao para outra parecendo perdida em seus pensamentos. Olho para Jefferson ao meu lado que encara o objeto nas maos de Anandi com curiosidade. Ele se levanta e senta ao lado dela enquanto eles começam uma conversa.
- O que seria isso? - ele pergunta apontando para o objeto.
- Uma arma. - ela responde secamente sem olhar para ele.
- E como funciona?
Ele nao desiste.
Ela nao responde e apenas clica no objeto. Stin. Parece um pouco com a minha arma, mas o punhal é mais comprido e com um corte diferente e pontiagudo. Assim que o objeto faz um som de click uma lança se projeta para fora. Parece grande demais para ser manuseada por ela, mas imagino que , como eu, ela possui um desempenho oculto acelerado quando a empunha para uma luta.
Jefferson parece fascinado com a arma e pede para que Anandi a mostre alguns golpes. Começo a me sentir deixada de lado e faço um esforço para deixar o ciume trancado. Ela deve ser apenas uma garota mimada. Nao pode contra mim. Decido assistir ao espetaculo da garota enquanto minha mente viaja pelas varias maneiras com as quais eu poderia usar minha espada para acabar com ela.
Eu estaria mentindo se dissesse que ela nao sabe manejar aquela arma. Os movimentos parecem tao naturais que desconfio que nao vem de algum poder de Overrun. Parece mais como se ela tivesse feito aquilo a vida inteira. A lança faz arcos ao redor do corpo dela com uma agilidade incrivel enquanto ela salta, disfere chutes e ataca um inimigo imaginario. O vestido de luta da um ar encantador e mortifero aos sucessivos ataques da garota. Encaro Jefferson que esta com os braços cruzados e um sorriso no rosto acompanhando os passos de Anandi. Ela termina o show com um mortal para tras e se agacha no chao com a respiracao agitada. Se ergue rapidamente enquanto arruma o cabelo as suas costas e nao faz mencao de olhar para Jefferson. Ela volta para onde estava sentada a pouco e antes que eu desvie o olhar vejo-a sorrir presunçosamente para mim com um ar de vitoria.
Me seguro para nao levantar e mostrar minhas habilidades para ela. Nao descerei ao nivel que ela espera que eu faça. Apenas retribuo o sorriso para ela quando ele senta ao meu lado e acaricia as minhas costas. Porem, estou sempre me surpreendendo.
- Voce estava incrivel, Anandi. - ele diz ao meu lado. - Nunca vi ninguem lutar tao bem! Preciso ter algumas aulas com voce.
Ela nao responde. Apenas abaixa a cabeça enquanto sorri e meche numa mecha do cabelo. Ela esta tentado seduzi-lo se fazendo de recatada. Alguem que luta dessa maneira nao pode ser tao inocente. , penso. O que ela nao sabe é que este aqui ja é meu. Assim que tiver uma oportunidade mostrarei a ela o meu valor. O quanto posso ser tao boa quanto ela. Esse anjo aqui ja protege alguem.
Diana e Marcelo voltam do passeio afastando meus pensamentos e começamos novamente a caminhada. Fico imaginando o que encontraremos quando chegarmos em Ohtake. Se os anjos serao amistosos ou agressivos. Mas so o nome da cidade ja me da uma boa ideia de que nao podenos esperar nada de bom daquele lugar. Abismo dos Anjos Ocultos, penso testando as palavras em minha mente. Se eles estao ocultos deve ser porque nao querem ser encontrados e, provavelmente, nao querem amizade com forasteiros. E disso me surge uma pergunta crucial:
- Quando vamos chegar em Ohtake? Tenho a  impressao que essa ponte nao leva a lugar nenhum. - digo.
Marcelo me responde alguns metros a frente enquanto olha para Diana de soslaio.
- Eu nao sei, Laura. Nunca estive em nenhum destes lugares. Mas chegaremos quando for a hora. Paciencia.
Diana olha para mim por sobre o ombro com uma expressao indecifravel.
- Eu creio que essa ponte seja um teste. Todas essas armadilhas sao um teste para sua resistencia, sabedoria e paciencia. - ela diz.
- Boas palavras. - Marcelo diz empurrando-a de leve com o ombro.
Deixo o silencio retomar seu lugar entre nos e decido ficar quieta. Se essa ponte é um teste, espero estar passando nele.

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Sinto minhas pernas adormecerem aos poucos. A cada passo parece que agulhas de trico sao enfiadas perna acima com brutalidade. O frio cada vez mais intenso esta nos desacelerando. O som de ventania voltou como para alertar que um tornado esta prestes a chegar. Jefferson mesmo com dificuldade notavel mantem as asas abertas deixando de esquentar a si mesmo para aquecer a mim e Anandi. Estamos as duas bem proximas a ele, uma de cada lado. Eu do direito, ela do esquerdo. Uma asa repousada sobre nossos ombros. Contemplamos as costas de Marcelo e Diana que seguem quase com ombros colados. Sinto pena deles que estao com seus poderes enfraquecidos aqui e sem nenhum anjo para quebrar o galho.
Após mais alguns minutos, sinto tremores percorrendo meus calcanhares. Imagino quando chegara a hora que cairemos todos sobre essa ponte subjugados pelo frio. Morrendo por hipotermia. Jefferson e Anandi olham para seus proprios pes de maneira aflita.
- Voces estao sentindo? - ele indaga nervoso.
- O frio, o tremor ou as alfinetadas? - Anandi comenta tristemente.
- O tremor. Acho que nao é por causa do frio.
Continuamos olhando para nossos pes ate que trombamos com alguma coisa. Diana e Marcelo.
- Ei, porque voces pararam? - pergunto enquanto massageio minha cabeça dolorida.
- Olhem. - Marcelo diz apontando para algo no meio da neblina a frente. - Tem algo se erguendo ali.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Caindo na Real

Eu estou caindo
Estou sufocando
E nao quero nunca chegar ao chao
Eu nao vou aguentar
Ter que voltar sem voce
Nao para ouvir voce dizer
Que sempre soube como seria
Que eu nunca permaneceria
Ao seu lado quando eu soubesse
E doi saber que voce tem razao
Isso esmaga o meu coracao
Estou caindo lentamente
Caindo na real
E isso é tao mal
Eu nao sei se voce lembra
Do meu rosto todos os dias
E isso me judia
Seria tao mais facil
Se voce dissesse
O que sente por mim
Mas eu sei que nao é assim
Voce nao consegue ser sincero
Nem comigo, nem com voce
Por favor, caia junto comigo
Nao seja meu inimigo
Entao, me diga o que guarda
Nao tenha a guarda armada

Olhando meu reflexo no ceu

Quando deito na grama e olho o ceu noturno procurando por estrelas, eu nao posso me enganar mais. Eu consigo ouvir sua voz tao nitida em meus ouvidos dizendo meu nome, me chamando para voce. Quando eu fecho os olhos  posso ver as lembranças tao verdadeiras que mal posso conter minha respiracao. E toda vez que eu contemplo a natureza lembro de voce em cada folha, em cada resquicio de verde e cor. Eu estou olhando exatamente para algumas estrelas agora e elas sao tao poucas quanto as minhas esperancas e quanto a minha força.
Eu posso sentir as suas palavras atravessando todos os quilometros que nos separam. Nao so a nos como tambem a nossas almas tao diferentes e tao iguais. Eu me pergunto se voce esta pensando em mim, se voce consegue se lembrar daqueles pequenos momentos e da eletricidade que eu senti. Se voce ainda vai lembrar do meu rosto depois do que eu disse a voce. Se o amor ainda vai existir em algum lugar ai dentro.
Eu me pergunto quanto tempo vai demorar para tudo entre nos morrer, se sera tao rapido quanto foi para gostarmos um do outro. Em mim vai demorar ainda mais que para voce porque voce vem matando isso a muito mais tempo do que eu. Voce sempre soube que seria impossivel.

Palavras Estranhas

Eu me sento no chao do corredor adjacente a minha casa. Ceramicas brancas, tao limpas e puras, tao diferente de mim. Coloco os fones e procuro na tela do celular a musica mais triste que eu possa reconhecer. Ouço a melodia triste encher minha mente e o meu coracao. A guitarra grita, a voz do cantor parece urgente como um pedido de socorro. Repouso minha cabeça na parede e olho para o ceu. As nuvens escuras parecem tao selvagens, tao libertas de si mesmas, como se so agora elas estivessem realmente se mostrando. Tao furiosas quanto me sinto em relacao aos meus sentimentos.
Eu me sinto confusa como se duas almas estivessem brigando dentro de mim. Mas eu nao sei se é so agora porque eu desconfio que sempre foi assim. Eu sempre estive em conflito. Mas, eu sei que existe uma parte de mim que fala mais alto que todas as outras. Quando vou contra ela é como se eu me traisse de uma maneira terrivel.
Eu lembro de cada uma das palavras que voce me disse. Eu decorei cada uma delas. Li tantas e tantas vezes, e ainda nao acredito. Sao palavras estranhas para mim, mas o problema é que elas sao tao boas e reconfortantes que eu as leria infinitamente. Todos os dias. Porem no meio delas estao outras palavras que me sao ainda mais estranhas, parecem agressivas, indecisas. E elas me machucam porque eu gostaria que elas nao existissem. Eu gostaria que fosse mentira, mas nada do que voce possa dizer faz delas menores agora que eu tenho certeza. Elas vao contra a parte de mim que fala mais alto comigo. Elas nao parecem nada demais para uma parte de mim que é so ilusao. E eu nao posso me agarrar a mais uma ilusao.
E no meio disso tudo esta o meu coracao. Dentro dele, eu posso ouvir o estrago de todas as palavras, de todos os sentimentos, de toda a tristeza, a raiva e a esperanca.
Eu disse para voce que eu jamais poderia fingir ser quem eu nao sou. Eu nunca poderia esquecer aquelas palavras. Eu nao posso entrar em algo que me machucaria ainda mais. Estaria em uma desconfiança infinita. Todos os seus olhares, todos os seus gestos, tudo seria motivo para eu nao ter seguranca, para eu viver em conflito. Entao, eu jamais poderia.
Mesmo assim aqui estou eu pensando no seu olhar, no seu abraço, nos seus labios e infinitamente em suas palavras. Eu nao posso ser como todo mundo, como muitos ou como poucos. Quero ser diferente. Eu gosto de ser assim porque é o meu verdadeido eu. E eu espero saber lidar com a dor de ser assim. Escolhas nao te mudam, elas te revelam. E saber da sua me fez mais convicta da minha.

sábado, 10 de maio de 2014

[Overrun: A Lenda dos Sete] Epílogo

Antes de chegarmos ao que quer que fosse nos levar ate Ohtake tivemos que fazer uma parada. Depois do sacrificio de Konoch nossas forças voltaram, o zumbido em meus ouvidos se foi, a temperatura diminuiu e os Kenjins nao retornaram. Mesmo que tudo esteja relativamente bem agora, dentro de mim esta tudo uma confusao sem tamanho. A dor pela perda de Konoch tao recente me faz ficar aterrorizada, olhando para os lados quase como se estivesse ficando louca. Nos estamo bem. Estamos seguros. Repito uma, duas... mil vezes a mesma coisa em minha mente. Mas eu sei que nada estara permanentemente bem enquanto estivermos aqui. Sempre parecera que estamos presos e encurralados.
Suspiro profundamente e retiro de dentro da minha jaqueta algumas folhas de papel. Ao ve-las quase volto a chorar porque foi Levi que me deu-as. Ele me viu triste logo apos o sumiço de Jefferson na gruta em Konden e meio que advinhou do que eu precisava. Me entregou um pedaço de carvao e folhas de papel em branco. Eu escrevi sobre tudo o que senti e fiz alguns desenhos do que nao queria esquecer.
Me distancio um pouco dos outros que estao dormindo no chao. Nao sei como podem conseguir. Eu nao consigo. Aproximo os papeis o bastante para conseguir ler e me aproximo mais de uma das tochas da ponte. As letras parecem rabiscos nervosos de alguem que mal sabe pegar no lapis. Ainda assim nunca poderia deixar de entende-las.
Olho para o ceu e a luz cega meu olhos
Vejo as nuvens e o brilho do sol
Sinto o ar se mover ao redor do meu corpo
E eu espero
Espero ouvir aquele som tao nitido quanto o som de um trovao
Espero ouvir voce chamar meu nome fazendo saltar o meu coracao
Espero sentir suas maos se encaixando em cada dobra do meu ser
Espero sentir suas asas envolvendo a mim e a voce
Espero para ser erguida para o ceu azul, para repousar no meio das nuvens
Espero que eu caia delas e voce me pegue no ultimo instante
Eu espero pelo seu afago
Pelo seu abraço
Pelo seu olhar
Pela sutileza de te amar
Pelos nossos corpos comprimidos
Nossas almas unidas
E para ouvir voce falar
Que pela eternidade ira me amar
Posso ouvir o som das asas
Toda vez que eu me lembro
De todo o meu medo
O quebrar dos membros
Quando clamei por ajuda
Em um instante tudo muda
Se entao voce ouvir
O som do rasgar de mil asas
Vindo para punir
Eles sao o elo para nos unir
Para nos dar força para vencer
Nossos anjos guerreiros
Por mim e por voce
Eu estou no deserto escuro da solidao. Eu posso ver as estrelas brilharem no ceu noturno. Sao tantas que eu chego a me assustar. E eu estou completamente so em meio a dunas do nada. Mas eu posso ouvir o som das suas asas, meu anjo. Tao distante, alem das montanhas que me circundam. Voce nunca chega, mas eu ainda posso ouvir o bater de suas asas. Entao, eu olho noite apos noite e obrigo meus olhos a permanecerem abertos por que voce é a minha esperança e a melodia das suas asas cortando o ceu é a minha ultima esperança.
É doloroso demais lembrar de todas as coisas que aconteceram ate que eu chegasse aqui. As vezes, me pego pensando que eu poderia trocar tudo isso por todos os problemas que eu tinha na minha vida terrena. Pelo menos, eu tinha a certeza das coisas ao meu redor. Suspiro. Por um segundo, as folhas escorregam da minha mao e caem no chao quase saltando da ponte. Me jogo atras delas como se fossem um tesouro ou apenas eu tenha medo de que alguem leia as coisas que eu escrevi. Quando pego a ultima delas e me ergo percebo algo entre a nevoa a frente. Um brilho incandescente. Mas em um segundo ele se foi. Esfrego os olhos na tentativa de enxergar melhor, mas tudo permanece quieto. Parado demais. Sigo em frente com alguns passos ate que estaco no lugar ao ver sombras se aproximando a minha frente. Pego o Stin e me preparo para o que esta vindo. Ninguem nunca mais ira me pegar despreparada.

terça-feira, 6 de maio de 2014

[Tag] 10 Perguntas Literárias

Perguntas:
1 – Qual a capa mais bonita da tua estante?
A do livro Entre o Agora e o Sempre.

2 – Se pudesse trazer 1 personagem para a realidade, qual seria?
Kishan *-* Amo por demais, meu playboy. *risos*

3 – Se pudesses entrevistar um
autor(a), qual seria?
Lauren Kate, autora de Fallen. Para saber mais sobre de onde veio a inspiração para o tema da estória.

4 – Um livro que não lerás de novo? Porquê?
Extraordinário.  Por que achei um pouco infantil. Tema ótimo, mas acabou não descendo por isso.

5 – Uma história confusa?
A Cozinha da Alma.

6 – Um casal?
Katniss e Peeta. <3 (Real or not real? Real.)

7 – 2 vilões. (Pode ser tanto 2 vilões que gostes como 2 vilões que não gostes).
Lokesh e Presidente Snow.

8 – Uma personagem que matarias (ou tiravas do livro)?
Kelsey. Quero os principes para mim. u.u

9 – Se pudesses viver num livro, qual seria?
Em As Crônicas de Nárnia.

10 – Qual o teu maior livro e o mais pequeno? (Em termos de páginas).
Maior: Um Conto do Destino (700)
Menor: 47 Ronins (150)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

[Overrun: A Lenda dos Sete] Capitulo 21

Acordo assustada depois de ter mais um pesadelo. Fogo dançando pela minha pele, a gargalhada de inumeros Ronais e seus olhos amarelos borbulhando dentro das chamas. Feridas, bolhas e ulceras percorrendo meu corpo. Dor no seu nivel mais avançado. Meu grito se espalha pela manha assustando Konoch que se ergue devagar e vira sua cabeça para me encarar.
- Tudo bem. Foi so um sonho.
Digo mais para mim do que para ela. Para tentar me enganar. Nao foi so um sonho. Percebo que as dores ja foram embora, mas elas nunca poderam sair da minha mente. Nao enquanto eu nao estiver segura.
Me jogo das costas de Konoch e a poeira sobe por meus calcanhares quando alcanço o chao. As asas fazem falta. Suspiro. O ceu esta no seu mesmo tom de laranja e posso ver o sol se levantar ao longe por entre o topo do castelo dos Ronais. Estamos muito longe deles agora. Nao posso ver a cratera onde esta a cidade e a floresta, mas ainda posso ver o castelo imponente. Um ponto no meio do deserto. Parece ironico surgir vida do meio desse lugar inospito quando ela esta nas maos de anjos tao maus quanto eles. Entao, percebo que eles nao sao anjos afinal. Nao quando maquinam o mal. Sao tao demonios quanto os Damns e Errants.
Uma mao toca meu ombro e olho pelo canto dos olhos. Marcelo.
- Esta na hora de irmos para o portal.
- Sera que seremos recebidos como prisioneiros por anjos como eles?
- Nao creio nisso. Mas, de qualquer maneira, a uma ponte para chegar ate la entre os planos espirituais. Nao é como atravessar o portal da terra para uma dessas cidades. Aqui, entre um plano e outro, a uma ponte para travessia.
Penso em perguntar se enfrentaremos algum perigo nesse caminho, mas me contenho. Eu sei a resposta e tenho medo dela.
- Vamos logo. Quero deixar isso aqui para tras. - falo mostrando com um gesto todo o lugar.
Marcelo acorda Jefferson que estava deitado proximo a Konoch no chao. Subo pelas costas dela ate alcançar a cela. Depois que a minha armadura se foi junto com as asas so me restou o Stin e a adaga para carregar comigo. Arrumo o cinto por sobre a minha jaqueta e seguro firme os arreios conduzindo Konoch para o outro lado. Jefferson e Marcelo olham para mim e sorriem um pouco. Um sorriso murcho, mas existe uma alegria contida nele. Estamos deixando isso para tras. Mesmo que coisas piores nos esperem a frente.
Jefferson estica suas asas e coloca o capacete. Ele parece com um Ronai, mas um pouco mais esplendoroso. O brilho de diamante das penas cintilando cores e brilho. Incinto Konoch para nos colocar em voo. Subimos devagar com eles ao nosso lado. Marcelo se transformou em um filhote de Konoch novamente mesmo que ele possa voar sem se transformar como na noite passada. Decido nao perguntar o porque e procuro por um sinal do portal.
- Onde ele fica? - grito por sobre o vento.
Olho para o deserto abaixo, mas so vejo a areia ondulando constantemente ao vento.
- Numa passagem entre as montanhas logo a frente. - Jefferson responde ao meu lado apontando para elas.
Ainda estamos muito longe para que possa ver a passagem ou o portal. O uivo do vento em meus ouvidos me faz lembrar do som das asas dos Ronais e me arrepio. Mando os pensamentos ruins para longe enquanto olho para Konoch. Suas asas brilhando tanto quanto o sol na parte interna em um brilho dourado. Olho para tras e tenho um choque. O ceu as nossas costas esta mais claro do que o restante a nossa frente. Como se o amanhecer estivesse nos seguindo. Ou melhor, seguindo Konoch. Talvez essa seja a ultima vez que ela anuncie o amanhecer. Uma ultima vez para darnos sorte.
Acaricio seu pescoço enquanto meu olhar permanece fixo nas montanhas. Apos alguns minutos distinguo a abertura minuscula entre as montanhas rochosas. Tao estreita que uma pessoa talvez conseguisse com muito esforço atravessa-la de lado. O problema esta que a entrada da passagem esta inacessivel por conta do portal de pedra. Quando nos aproximamos mais percebo que nao sao duas montanhas, mas uma rachadura em forma de triangulo que parece ter sido aberta para anexar o portal. Ele parece com o outro que passamos para chegar em Konden com a diferença que nao existe uma escultura de uma aguia no topo, mas de uma coruja.
Konoch da um rasante rumo ao chao e em questao de segundos pousamos perto do paredao logo em frente ao portal. Me desvencilho dela e salto para o chao. Marcelo volta a sua forma humana e Jefferson retira o capacete se posicionando ao meu lado, nossos olhares concetrados no portal. Pela abertura apenas se pode ver a passagem ficando mais estreita ate se tornar apenas uma fresta. Me aproximo dele para olhar a inscricao no topo.

Ohtake: Abismo dos Anjos Ocultos

Passa a mao por uma das colunas e percebo formas talhadas nela. Arvores secas. Mas algo me chama a atencao. Suas sombras possuem uma forma quase humana. Um calafrio atravessa minha espinha quando retiro a mao. Me viro procurando pelos outros e os vejo olhando a outra coluna enquanto murmuram baixo. Me aproximo e vejo o que eles estao observando. Um oco vazio na pedra do tamanho e forma exata do pedaço do amuleto.
- Laura, pegue e o encaixe aqui. - Marcelo diz. - Acho que serve para abrir o portal. Nao tem nenhuma abertura para chave.
Retiro o pedaço de um dos meus bolsos do cinto e percebo que ainda nao tinha parado para o analisar. Encrustado nele se pode ver uma parte de uma ilustraçao. Uma parte de uma asa e o cabo de uma espada. O entrego para Marcelo que o encaixa no lugar com um clique. Nos afastamos quando uma ventania proveniente da passagem nos empurra para tras. A areia do deserto formado redemoinhos e enchendo meus olhos de terra. Cubro-os com o braço no momento que algo acontece no topo do portal. Estilhaços de pedra voando ao vento. A coruja esta se libertando. Quando todos os pedaços caem, ela nos encara curiosa. Os olhos de uma coloracao violeta que eu nunca havia visto parecem furiosos. Ela abre as asas espanando os ultimos fragmentos de terra e abaixa seu corpo olhando atraves do portal.
Entao, algo acontece ali. As cores atraves dele parecem se misturar e ficam desfocadas ate que uma escuridao se forma. Um ar gelado escapa dele e nos alcança. Nao parece um lugar para o qual gostaria de ir. Konoch rosna como um leao as minhas costas e me assusto. Olho para ela e ela agita a cabeça para mim e a abaixa. Percebo algo brilhando em seu bico no momento em que ela o solta. Pego a corrente dourada antes que atinja o chao. Um pingente dourado em forma de asas  unidas em uma espada descansa na palma da minha mao. Sinto uma conexao se formando em minha mente e espero a voz dela se tornar audivel.
- É o mesmo simbolo do amuleto, criança. As asas personificam os anjos e a espada, os Overruns. É a marca da uniao entre o espiritual e o terreno. Para lhe dar sorte e para que se lembre que nao esta sozinha. Coloque-o antes de passarmos pelo portal.
- Obrigada, Konoch. Nao so por esse presente, mas por sua ajuda com os Ronais. Nao teriamos conseguido sem voce.
A voz some de minha mente parecendo que a conexao teve fim. Levanto meu olhar para encontrar o dela e sinto-a novamente em meus pensamentos.
- Nao precisa agradecer. Ja estava escrito, filha. Seu destino ja esta escrito. Agora coloque o colar e monte em mim. O tempo é curto.
Faço o que ela mandou e vejo que os outros ja se preparam. Pego meu Stin e a espada dourada reluz. Olho meu reflexo nele percebendo que a muito tempo nao sabia mais como minha aparencia estava. Desde que cheguei ate Konoch algo mudou. Como se eu tivesse deixado minha vida mundana para tras. Nao sinto mais fome, nem fraqueza. Mas ainda sinto medo de tudo o que esta por vir. Medo de nao ter minha antiga vida de volta, de perder os que amo nessa batalha e o mais importante, de morrer antes de ter tido realmente uma vida.
Balanço a cabeça tentando afastar os fantasmas para um lugar onde nao me atrapalhem. Olho para meus anjos logo abaixo preparados para me seguir para onde quer que meu futuro me leve. E em meus pensamentos agradeço por te-los agora, amanja e no por vir.
- Vamos. - digo em voz firme tao diferente de todas as outras que ja usei. - Vamos ver o que nos espera do lado de la.
Atiço Konoch para seguir em frente para dentro da escuridao. A coruja ainda esta com a cabeça voltada para a escuridao como se visse algo interessante la dentro . O portal é pequeno demais para que Konoch passe por ele, mas quando chegamos perto ele faz sua magica. Seguimos na frente quado sinto algo nos sugando para dentro. Fecho os olhos e a sensacao de passar de um plano para o outro é como de passar por uma barreira de agua gelatinosa. Dura apenas um milesimo de segundo, mas é o bastante para ser desconfortavel. Abro os olhos e vejo a uma ponte rustica de pedra bastante estreita e cheia de buracos. De cada lado seguem inumeras tochas que tentam afastar a escuridao. Ela parece estar equilibrada no nada no meio de lugar nenhum. O ceu - ou o que ee deveria ser, - é de um tom preto assustador. Mesmo com elas nao consigo ver para onde a ponte vai. Uma parede de nevoa escura cobre todo o lugar. Salto para o chao a procura de Jefferson e Marcelo quando uma luz as minhas costas aparece em uma fracao de segundo os libertando. Atras dele a ponte segue seu caminho vindo de lugar nenhum e parecendo ir a lugar nenhum. Apenas a mesma nevoa escura encobrindo o caminho.
- Para que lado devemos ir? - pergunto.
Percebo minha respiracao sair fumacenta em contato com o ar gelado do lugar. Posso sentir os tremores percorrendo meu corpo e desejo sair logo daqui. Ficando parada poderia congelar.
- Vamos em frente. Tenham cuidado e fiquem juntos. Qualquer descuido ou parada, e voces podem se perder. - Marcelo diz serio.
Seguimos pela ponte lado a lado. Konoch nao faz mais mençao de falar em minha mente. Ela apenas olha para a nevoa ao redor da escuridao como se estivesse vendo alguma coisa atraves dela. A nevoa encobre boa parte do caminho a frente e torna dificil enxergar qualquer coisa. Se eu nao ouvisse os passos ao meu lado pensaria estar sozinha. O "ceu" nao esta encoberto e quando olho para ele percebo que a nevoa forma uma camada espessa sobre nos e todo o lugar, mas chega a poucos metros de altura. Ela parece com a nevoa em que os Damns se transformam quando querem fugir de um lugar. Escura. Fétida. Congelante. E parece esconder algo muito ruim.
Nao sinto nem sequer uma brisa passar por mim, mas o som de ventania ecoa pelo ar como um fantasma uivando em meus ouvidos. Caminhamos pelo que acho serem muitas horas sem achar nada ate que minhas pernas ficam rigidas por causa do frio e o cansaço toma conta de mim.
- Vamos parar agora, mas nao podemos ficar por muito tempo. A temperatura esta caindo a cada passo que damos. Fiquem proximos. - Marcelo diz.
A mao de alguem toca meu braço e me assusto momentaneamente ate ver a silhueta de Jefferson. Ele me puxa para sentar ao seu lado no chao. So entao percebo que ainda estou segurando a espada e antes de clicar no Stin para que ela desapareça vejo que o brilho dela se foi. Levanto meus olhos e encaro Konoch. Ela tambem nao esta brilhando e parece abatida. O lugar deve esta sugando o nosso poder e se ficarmos muito tempo aqui iremos acabar todos mortos. Começo a tremer e sinto como se gelo atravessasse meus ossos. Jefferson percebe e me puxa para seus braços. Sento em suas pernas e ele me aninha.De alguma maneira, ele consegue se manter quente e emanar calor suficiente para me aquecer.
Ficamos em silencio por varios minutos tentando poupar nossas energias para a caminhada ate que um som nos assusta. Nos levantamos todos ao mesmo tempo tentando enxergar atraves da nevoa, mas nao a nada la alem da escuridao.
- Fiquem quietos. - murmura Marcelo.
O silencio é quase palpavel agora. Ate mesmo o som do vento parou o que torna tudo ainda mais estranho. Entao, percebo um som quase inaudivel e meu coracao estremece. Asas.
- Anjos. Voces estao ouvindo? - pergunto.
- Nao acredito! Estamos encrencados! - Marcelo diz irritado enquanto olha para o ceu. - Os guardioes da ponte.
Coloco meu Stin em modo de espada e me aproximo de Konoch que anda de um lado para o outro agitando as asas, tentando se equilibrar na estreita ponte enquanto caminha. Subo em suas costas e afago seu pescoço e sinto-a se acalmar. O som das asas esta mais proximo reberverando sobre nossas cabeças. Olho fixamente para a nevoa esperando por eles. O medo gritando pelo meu corpo.
De repente, uma sombra passa pela minha visao periferica rapidamente. Nao consigo distinguir o que, mas vejo mais sombras negras nos circulando. Konoch fica irritada e rosna para a nevoa. Os outros empunham suas espadas e se colocam em posicao de defesa. Um som estridente acima das nossas cabeças como de pano se rasgando fere meus ouvidos enquanto os guardioes descem do ceu em um disparo negro. Cinco deles nos circulam no ar pairando como fantasmas negros. Suas asas tao negras quanto a escuridao do ceu que nos cobre e totalmente esfarrapadas e caidas como se eles estivessem estado em uma guerra. Seus corpos magros cobertos por farrapos marrons que parecem restos de um tipo de tunica. Seus rostos tambem magros e com feiçoes quadradas. Os olhos tao negros quanta as asas sem um ponto branco neles. Os cabelos negros compridos amarrados em um suave rabo de cavalo lhes da um ar estranho. Sinto um arrepio quando um deles se abaixa como se fosse pousar, mas seus pes nao tocam o chao. Seu rosto retorcido em desprezo, seu olhar concentrado em mim.
- A tanto tempo temos esperado pela visita de um humano. Nao um humano qualquer. Eles jamais poderiam chegar ate nos... vivos. - a voz do guardiao soa melodiosa como se ele quisesse nos cativar com ela. - Uma Overrun. Eu esperei tanto por voce, querida. Queira me desculpar por minha falta de modos. Ainda nao me apresentei.
Ele paira vagarosamente em direcao a mim e Konoch que rosna baixo para ele. Ele estica a mao palida e esqualida para mim em um cumprimento. Decido aceita-la para ver o que ele realmente quer. Quando seus dedos tocam os meus sinto como se agulhas perfurassem a palma da minha mao e ele me da um sorriso presunçoso e retira a mao lentamente apreciando a dor estampada em meu rosto.
- Me chamo Finjen e sou o lider dos Kenjins. Somos os guardioes das pontes de travessia. Como se chama, pequena?
Algo me diz que ele sabe meu nome, mas esta testando o quanto de medo estou carregando.
- Laura. - minha voz sai baixa demais e pigarreio nervosa. - Me chamo Laura. O que voces realmente querem? Vao nos deixar continuar?
Ele se move para tras no ar nao me dando suas costas e da uma gargalhada que gela meus ossos. Ele se encaixa novamente no circulo junto com os outros Kenjins e seu rosto se torna sombrio.
- Deixar voces passarem? O que isso me traria de bom? Nao, nao. Tenho outros planos para voces. Imagino que voce desconheça qualquer lenda sobre nos. - ele leva um dedo aos labios e ergue um pouco a cabeça como se estivesse tentando lembrar de algo. - Oh, sim. Voces tem uma lenda na terra sobre nós. Mas ela é um tanto distorcida ja que nao podemos sair daqui a nao ser para assombrar os sonhos de voces para nos tirar do tedio. Daqui a pouco, voce entendera do que estou falando. Bem, voltando as suas perguntas, nao iremos deixar voces irem. Como poderiamos dispensar um lanche depois de tantos seculos?!! Seria um disperdicio. Veja como estamos magros!
Ele olha para si mesmo e de volta para nos nos dando um olhar que uma cobra daria a um rato encurralado. A cada minuto que passamos aqui me sinto mais fraca como se o lugar estivesse drenando minha essencia. Olho para os outros que tentam se manter firmes, mas posso ver a palidez em seus rostos. Ate mesmo Marcelo mal consegue manter a esoada erguida. Konoch se meche desconfortavel embaixo de mim e vejo uma tristeza tao profunda em seus olhos, tao diferente do que deveria ser.
- Eu conheço a lenda de vós! Nao tentes me passar para tras, demonio. Eu conheço os termos da troca. - Konoch diz firme e convicta. Mesmo sem abrir o bico sua voz enche todo o lugar.
Finjen olha para ela curioso e faminto e ele abre um pouco sua boca e vejo um par de dentes maiores que os outros como de um... vampiro.
- Nao! Konoch, eu nao aceito isso. Nao aceito que voce se sacrifique por nós!
Me lanço de suas costas para o chao com o pouco de força que ainda me resta. Fico de frente para ela, mas seus olhos se desviam de mim para os Kenjins.
- Eu ja tomei minha decisao... a muito tempo. Voces nao conseguiriam vence-los. Estao fracos demais para se aguentar de pé. Precisam chegar ate a proxima cidade.
- Mas voce pode nos ajudar! Nao dê ouvidos a eles.
- Eu tambem estou fraca, filha. Por favor, facilitem para mim e me deixem logo.
Ela me empurra bruscamente com a cabeça e caio sobre Jefferson no chao. O seu gesto doi mais em mim do que o frio em meus ossos porque eu sei que ela tem razao.
- Se ela se sacrificar em seu lugar voces poderao ir. Nos respeitamos as regras antigas. - Finjen diz parecendo satisfeito.
Tenho vontade de avançar para ele e destroça-lo, mas me deixo ir para Konoch com o que me resta de animo. Abraço seu pescoço imenso e ela relaxa sua cabeça sobre minhas costas. Acaricio suas asas e me lembro de quanta força ela tem, da luz que carrega dentro de si. Me afasto com lagrimas nos olhos e sinto a conexa se formando em minha mente pela ultima vez.
- Nao tenha medo, criança. Ja estava escrito. Voces conseguirao chegar em segurança ate Ohtake. E nao derrame suas lagrimas por mim. Estou apenas honrando minha criacao.
- Eu... nao sei como posso ter coragem de deixa-la aqui com eles. Vao tortura-la!
- Voce tera que ir. Nao deixe o medo te dominar. Tenha fé, Laura. E faça meu sacrificio valer a pena. Nao olhe para tras.
Antes que eu possa responder a conexao é quebrada e sinto um vazio. Nao faz nem dois dias que estou com Konoch, mas parecem uma eternidade. Ela se movimenta para mais perto deles e nos da um otimo olhar.
- Eu aceito ser a troca em nome da passagem segura para a Overrun e seus companheiros ate Ohtake. Que o peso da escuridao de dissipe deles e recaia sobre mim.
Os Kenjins uivam de felicidade ao ouvirem as palavras de Konoch.
- Nos aceitamos sua oferta e que se faça conforme suas palavras. Agora seu corpo esta selado sobre a ponte.
Antes que eles caiam sobre ela uma mao segura forte meu pulso me puxando para frente. Seguir em frente. Nao olhe para tras. Nos corremos os tres lado a lado em meio a nevoa mesmo com dificuldade. Alguns metros a frente ouço o impacto dos corpos dos Kenjins sobre ela. Seu rosnado cheio de dor enquanto ouço o rasgar das asas. Meu coracao pede para que eu volte e ajude, mas meus pes correm ainda mais rapidos ansiosos para se afastar daquela carnificina. Deixo as lagrimas irem enquanto corro pela minha vida e a de meus companheiros.  Talvez eu nao tivesse certeza do quanto minha jornada era importante, mas depois de ver Konoch se sacrificar por mim tenho certeza do que devo fazer.