segunda-feira, 30 de junho de 2014

[Resenha] O Jogo Perfeito - J. Sterling

Autor: J. Sterling
Editora: Faro Editorial (cortesia)
Número de Páginas: 222
Estilo: NA (new adult)
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Sinopse: Ele é o tipo de jogo que ela nunca pensou em jogar. Ela é a virada no jogo que ele nunca soube que precisava. O Jogo Perfeito conta a história de dois jovens universitários, Cassie Andrews & Jack Carter. Quando Cassie percebe o olhar sedutor e insistente de Jack, o astro em ascensão do beisebol, ela sente o perigo e decide manter distância dele e de sua atitude arrogante. Mas Jack tem outras coisas em mente... Porém todas as suas investidas são tratadas com frieza.
Não é qualquer livro desse gênero que me agrada. Alguns autores utilizam passagens mais pesadas na hora de descrever situações íntimas, outros focam boa parte das páginas do livro apenas nesse quisito o que acaba deixando-o com um ar de "Mais do mesmo.". Entendo que para o livro ser erótico ele precisa dessas partes, mas o autor não pode esquecer que precisamos de algo além disso. Porém, não se assustem. Não é isso que acontece neste livro. A autora soube levar a coisa toda de uma maneira leve e com mais estória,e surpresas do que eu estava esperando. Confesso que estava bem ansiosa para que ele chegasse as minhas mãos assim que vi a capa. Mas não fui com expectativas altas demais porque já havia me decepcionado bastante com o gênero. Conclui a leitura no mesmo dia e mal via as páginas passarem. Estou com aquele gostinho de quero mais.
A capa é a mesma do original em inglês. Apreciei esse fato de a editora não ter mudado a ilustração que eu gostei muito. A diagramação está ótima. As folhas foram levemente coladas a capa o que torna o livro fácil de manusear. Só estranhei um pouco a espessura das folhas que são mais grossas que as habituais. Na edição, encontrei um ou dois errinhos que em nada atrapalham a leitura. As letras estão em tamanho apropriado.
'O Jogo Perfeito'  é o primeiro livro da Trilogia Game Series que nos conta a estória do relacionamento (e vida) de Cassie Andrews  e Jack Carter, dois universitários da Fullton. Cassie é uma garota desconfiada e que tem suas próprias regras na hora de testar se um garoto está ou não preparado para um relacionamento de acordo com seus padrões. Ela faz de tudo para se esquivar das investidas de Jack, um jogador promissor de Baisebol do time da universidade que tem a fama de ser super pegador e não ficar com a mesma garota duas vezes. Ele esbanja charme e sedução (e algumas cantadas) até que consegue quebrar o gelo de Cassie. Tudo isso acontece bem rápido, os capítulos são curtos e diretos. Achei que a autora foi muito rápida na aproximação do casal e acabei estranhando. Mas, logo vieram as desconfianças, brigas, e o que parecia que ia se tornar um mar de rosas virou uma tempestade. Como eu disse lá no início, existem mais surpresas do que eu esperava. Cassie é bem insegura e não só porque Jack é um badboy. Não vou entrar em detalhes para não soltar spoilers, mas existe um motivo para ela ser mais prevenida que o normal e isso acaba criando um laço maior entre os dois como também acaba os afastando mais. Eles tem algo em suas vidas individuais que os tornou como são agora. Algo em comum.
A estória não é super cativante, tem seus clichês em determinados momentos (mas que romance não os tem, não é?), não é surpreendente. Mas tem algo aqui e ali, que não da bem para identificar, que faz com que você continue passando as páginas sem nem perceber. Talvez seja a humanidade dos personagens. Eu me senti como se estivesse vendo o desenrolar do cotidiano de um casal próximo, me senti ali na estória. Era como se estivesse em casa e totalmente a vontade. Eu amei a leitura e estou altamente ansiosa para ler o segundo volume. Indico a leitura totalmente, mas dou uma dica: não criem muitas expectativas e leiam calmamente que aí sim qualquer leitura se torna prazerosa. Até a próxima! Link para compra: Site da Saraiva: http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/7635852/o-jogo-perfeito/

quarta-feira, 25 de junho de 2014

[Crônica] Vagando na Beira do Abismo

Eu não estou bêbada. Estou mais sóbria do que em todas as noites. Não ingeri nenhuma gota de alcool, nem ao menos senti um aroma ou o bafo de alguém que talvez tivesse me acompanhado. Talvez se você passar por mim agora veja no modo como meu olhar se perde na lata de lixo, como as chaves pendem perigosamente na ponta do indicador, na maneira como meus passos parecem desordenados; uma mulher desvairada, quase enlouquecida. Mas eu estou bem.
Pelo menos, é o que repito a mim mesma a cada passo que dou.
A avenida esta bem iluminada, mas não a quase ninguem para ver a minha aventura noturna. Pessoas passam por mim ocasionalmente. Eas me olham com rostos de nojo, pena ou qualquer uma dessas expressoes que elas costumam carregar para depositar nos outros o que elas evitam demonstrar a si mesmas. O maximo que eu faço é afastar o olhar para o outro lado. Nem mesmo se elas me dirigissem uma palavra poderia mudar alguma coisa na minha vida. No fundo eu sei quem sou. Uma mulher solitaria, uma casa vazia com a qual tenho que lidar depois de um dia vazio de trabalho. Eles realmente nao podem me ajudar.
Nao sei para onde estou indo, onde quero chegar. Sinto apenas a urgencia de andar, de me afastar das coisas que me fazem lembrar dos meus dias. Me escoro nos muros, nas cercas, nas grades enquanto meu olhar se perde por vezes seguidas em um ceu onde nao existem estrelas. Eu rio comigo mesma. Nao sou apenas eu que estou vazia e apagada. Entao, obrigo meus pes doloridos a colocarem o caminho para tras. Ah, se eu pudesse simplesmente deixar tudo para tras.
Em uma esquina vejo um casal sorrindo enquanto tiram uma selfie com um celular. Suspiro. Quando o flash se deposita sobre o corpo deles enquanto aquele momento é eternizado, eu sou cegada pela luz. Pelas lembrancas. Passo por eles no momento em que se abraçam e o rapaz deposita o celular no bolso. Deixo-os para tras tambem, mas meus olhos ainda ardem. As vezes, as lagrimas sao como laminas de fogo. Queimam, cortam, pinicam. Doi em tantos pontos fora das orbitas que meu corpo inteiro convulsiona.
Agora quem sabe quando voce passar por mim tenha a certeza que estou bebada. Uma mulher esterica, poças brilhando no rosto, o cabelo desalinhado por onde as maos freneticas passaram tentando se acalmar. Uma mulher devastada. Mas nao ligo para o que voce pode pensar sobre isso. Hoje voce lembra de mim. Amanha ja nao sou nem um grao de areia no deserto dos seus pensamentos. Entao, nao adianta parar para pensar nisso.
Em algum ponto entre pernas tremulas e a tontura crescente resolvo me sentar na calcada, os pes descansando no asfalto. Mas nao a perigo. Ninguem em sã consciencia esta na rua a uma hora dessas. Exceto, bem, eu. So porque estou momentaneamente desequilibrada.
Amanha volto a usar uma daquelas mascaras que eu guardo no fundo da primeira gaveta do armario. Tem para todos os gostos, para todas as ocasioes. Mas agora estou com aquela que nao sai por mais que eu tente. Aquela que eu encubro com tantas outras para ninguem ver quem realmente eu sou. Hoje nao a ninguem para ver, entao posso me libertar por um momento.
Estou olhando diretamente para o ceu agora. Nem percebi quando tombei no concreto. As lagrimas ainda estao descendo por meu rosto. Por um momento, penso que uma poça se formou embaixo de mim, mas é apenas o frio do chao encontrando um caminho pela minha blusa. Resolvo dar atencao aos meus pensamentos pela primeira vez em semanas. É um alivio tao forte como o de tirar o sutia suado apos um dia fatidico. Fecho os olhos e as visoes embacam minha mente. Pais que nao existem mais, irmaos longe demais agora, uma casa apagada em algum lugar estranho, um cara que a muito tempo eu fui impulsionada a deixar no passado. Abro meus olhos quando tenho um choque. É aquele instante que voce tem vontade de mudar tudo. De começar de novo, de ligar ou mandar uma mensagem para quem se afastou, de pedir desculpas pelas montanhas de erros... E agora é aquele instante em que voce tomba mais fundo no chao quando percebe que nao tem força para nada.
Nem mesmo para levantar, afastar o cabelo do rosto, as lagrimas dos olhos e inficar o pe no chao e andar de volta para casa. Entao, eu me deixo ficar. Por mais um minuto, uma hora, uma madrugada. Talvez eu esteja mesmo bebada. Alcoolizada pela força de uma vida inteira.

Será?

Pq será que toda vez,
Que eu escolho você
Voce diz que prefere estar só?
Pq será que toda vez,
Que eu quero o seu abraço
Você guarda o seu laço?
Pq será que toda vez,
Que eu penso em dizer
Você me diz que não tem nada a ver?
Pq será que toda vez,
Que eu meu olhar encontra o seu
Voce desvia de ele de mim?

Quantas lágrimas eu tenho guardado por medo de admitir? Quantas vezes eu tranquei as palavras dentro de mim? Quantas vezes ainda vou lembrar de você sem te dizer o quanto te quero aqui?

quarta-feira, 4 de junho de 2014

[Resenha] A Menina que Colecionava Borboletas - Bruna Vieira

» Publicado pela Editora: Gutenberg
» Li em formato: físico (Cortesia)
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» Onde Comprar?
  Submarino / Americanas
» Leia um Trecho:
   site da Editora

Sinopse:
Bruna Vieira está cada vez
mais longe dos quinze, e
sabe que crescer nunca é tão
simples. Considerada uma
das blogueiras mais
influentes do mundo, mais
uma vez ela dá vazão ao seu
talento como escritora com
este seu novo livro de
crônicas e pensamentos, em
que mostra o quanto
amadurecer e conquistar a
independência é maravilhoso,
mas tem seus desafios e
poréns. A garota do interior
que usa batom vermelho e
que realizou seus maiores
sonhos continua inspirando
adolescentes de todo o país.
Para ela, as páginas deste
livro significam o bater de
asas das borboletas que
colecionou dentro do peito
por algum tempo e que agora,
finalmente, pode deixar que
voem livres por aí.

Bem, pessoal! Tenho começar dizendo que eu não colocava muita fé na escrita da Bruna. Aquele velho PREconceito antes de conhecer a coisa a fundo. Solicitei o livro para editora por curiosidade depois de ver tantos comentários e murmúrios ao redor do nome Bruna Vieira. É o primeiro livro que leio dela e vocês podem estar se perguntando: "Porque ela não pediu o primeiro dela?". Olha, esse me chamou bem mais atenção que os anteriores. Desde o título, design da capa, etc. Então por ter sido ele que me fez querer conhecer a autora fiquei com ele mesmo. E , para minha surpresa, li ele em um dia.

A capa é perfeita! Sim, perfeita. Quem me acompanha sabe o quanto gosto de desenhos e que faço os meus. Então, a ilustração dela me chamou MUITA atenção. Os traços são marcantes e bem delineados. E a maior parte dela é preta (tenho uma queda por livros de capa preta).

Na edição não encontrei nenhuma falha. Já a diagramação deixou um pouco a desejar. Por o livro ter poucas páginas e as folhas serem um tipo de papel-cartão, não conseguimos abri-lo direito e fica  um pouco cansativo. Mas nada que uma futura reedição não melhore.

Passando ao conteúdo lhes digo que fiquei bem impressionada com a maturidade e inteligência das crônicas. São diversos assuntos, desde relacionamentos amorosos, vida pessoal, expectativas, relações pessoais, etc.  Todos com uma escrita leve e desprentensiosa. A Bruna é bem firme nas suas palavras e decidida. Algumas crônicas podem até mesmo dar um ar de auto ajuda ao livro, mas na verdade, nas entrelinhas, ele fala mais sobre a autora e como ela encara a vida, os problemas e perdas. Fora que ele nos faz perceber que, as vezes, a gente acha que algo só acontece conosco quendo, bem, acontece com todos nós.

O livro trata principalmente sobre a transição e adaptação que passamos na mudança da vida de adolescente para a adulta. Como nem tudo é sempre obscuro e cheio de barreiras. Um livro que nos faz pensar e sonhar junto com a Bruna.

Eu só posso dizer que amei a narrativa e todo o conteúdo do livro. Ele conta com várias ilustrações super fofas e meigas. Super indico a leitura dele! Não deixem de conferi-lo. E até a próxima!

Quote:
“Quando você deseja o bem , o bem te deseja também.”

domingo, 1 de junho de 2014

[Overrun: Sombras Ocultas] Capitulo 4

Minhas palpebras estao pegando fogo. Um laranja tao intenso se misturando com ondas de vermelho. Abro meus olhos com dificuldade e uma luz branca os fere. Estou olhando diretamente para o sol no meio de um ceu totalmente azul. Mas o que é isso? Onde estou? Me sento enquanto começo a recuperar a capacidade de enxergar. Minhas maos tocam algo macio abaixo do meu corpo. Grama. Tao verde e viva. Tao real. Me assusto e levanto rapidamente. Sinto uma vontade triste de descobrir onde estou e voltar. Voltar para os meus amigos. Mas, e se isso for o ceu? Me lembro vagamente da sensacao de estar caindo, caindo... e entao veio a escuridao. Talvez eu tenha morrido.
Me forço a olhar para o lugar ao meu redor e descobrir onde estou. Esse é o primeiro passo que qualquer pessoa perdida deve tomar. Localizacao. Bem, estou no meio de uma clareira e esta esta rodeada por uma floresta circular. Lembranças. Visoes. Sinto uma fisgada no minha cabeça quando tento associar esse lugar com um sonho que tive a muito tempo. Gabriel. Eu so espero que nao seja ele ou Juliana tentando se comunicar comigo atraves das suas magias negras. Tudo o que eu nao preciso agora é de mais um inimigo no meu encalço.
Tento lembrar do proximo passo no meu guia mental de sobrevivencia em visoes totalmente inesperadas. Passo 2°: Escolha um abrigo  como medida preventiva se estiver em um local totalmente visivel.  Estou relativamente vulneravel aqui. Começo a andar em direcao as arvores e nao consigo deixar de olhar de um lado para o outro. Tenho medo de que quando eu entrar naquela floresta um campo de força me mantenha la dentro como na outra vez. Mas, e eu tenho outra escolha? Olho para os meus pes momentaneamente e quando ergo meu olhar percebo que ainda estou no mesmo lugar. Medo. Dou alguns passos olhando para frente sem desviar o olhar. Estou andando. Mas quando olho para os meus pes la estou eu no mesmo lugar. Entao decido ir para o proximo passo. Passo 3°: se nada der certo, tente a comunicacao direta. Pense bem nas palavras. Minhas palavras soam estranhas e desesperadas.
- Olá?! Quem me trouxe ate aqui pode me dizer o que esta acontecendo? Nao posso ficar aqui...
O silencio ao meu redor é tao forte e palpavel que parece que estou dentro de uma caixa de vidro. Começo a ficar impaciente e tenho pavor da possibilidade de nunca sair daqui. Mas eu sempre estou me surpreendendo. Uma ventania começa bem a cima da minha cabeça e se espalha ao meu redor machucando a grama. Levo uma das maos aos olhos para protege-los enquanto o vento fica mais intenso. Preciso olhar. Preciso olhar. Levanto a cabeca devagar e o que vejo me tira o folego e eu quase caio no chao. Minha voz sai estrangulada.
- Konoch!!!
Ela pousa a minha frente e nem percebo quando corro para ela. Meus braços afundam no pescoço plumoso e ela recosta a cabeça nas minhas costas. Me afasto para olhar para ela para ter certeza que isso é real. Ou pelo menos tao real quanto possivel.
- Como? - a pergunta sai quase inaudivel.
Ela se senta nas patas traseiras e olha diretamente para mim. A sua voz enxendo todo o lugar. Toda a minha mente.
- Querida, voce me chamou.
Eu nao lembro de ter pensado nela naquele ultimo momento. So nas asas de Jeff...
- Eu morri?
Ela balança levemente a grande cabeça de aguia em um gesto negativo.
- Eu nao poderia deixar que isso acontecesse. Voce nao estava ao menos preparada para aquilo. - ela olha para o ceu de repente. - Nem os seus amigos.
Meus amigos...
- O que aconteceu com eles?! - grito.
- Fique calma. Eles estao bem. O melhor possivel.
Eu dou as costas para ela e começo a caminhar para longe. Mas la estou no mesmo lugar.
- Eu preciso voltar. Agora.
Ela se levanta e fica ao meu lado.
- Voce ira. Mas antes, esculte. Voces ainda terao mais um desafio a frente. E mais outros tantos em Ohtake. Dessa vez, fiquem atentos. Nao poderei mais salva-los.
Aquelas palavras rebatem dentro de mim.
- Como voce conseguiu fazer isso?  Voce fugiu?
- Nao, Laura. Eu morri naquela ponte. - a voz começa a diminuir. - Nao a mais tempo, querida. Eu gostaria que ouvesse. Mantenha o seu c...
De repente, senti uma tontura tao forte e meu corpo desabou na grama. Nao consegui ouvir o restante da frase de Konoch. Fui engolida novamente pela escuridao e quando acordei so havia a dor. Pulsante. E mais algumas coisas ao meu lado. Meus amigos. Sobre uma ponte de gelo.
Eu abro meus olhos e estou deitada de barriga para cima. Ao meu lado quatro corpos estao dormindo ou pelo menos eu acho que dormem. Nao consigo me sentar para olhar direito para eles. Nao consigo nem ao menos olhar para mim mesma. Me viro de lado e acabo encarando o rosto de Jefferson. Levo um susto e guincho. O rosto dele esta parcialmente queimado assim como um dos braços. Ele deve ter ficado bastante tempo dentro do casulo. Lagrimas descem por meu rosto quando levo minha mao para tocar seu rosto. Meu braço esta cheio de arranhoes e pela dor que sinto na perna direita devo ter quebrado ou deslocado algum osso. Toco a parte do rosto que tem apenas algumas bolhas e as palpebras dele tremem, mas ele nao acorda. Olho para as roupas dele e so entao percebo que a camisa branca virou apenas algumas tiras. O torax esta tao ferido quanto o rosto. Apenas a calça conseguiu permanecer sem ter sido consumida totalmente.
Vejo uma ponta vermelha surgindo das suas costas e lembro do que existe ali. Mais lagrimas. Me ponho novamente de barriga para cima para nao ver mais as feridas. Nao tenho coragem de olhar para os outros. Maldita planta carnivora.
Tento pensar em algo coerente a fazer. É obvio que nao podemos permanecer mais tempo nessa ponte. Nao a para onde fugir nem se estivessemos em condicoes. Um gemido corta meus pensamentos e olho na direcao do som. Marcelo esta tentando se sentar. Percebo que ele nao esta muito ruim como Jefferson. Seu corpo esta ferido e com bolhas, mas em poucos pontos nos bracos. Quando ele consegue se sentar, olha ao redor para ver se ainda a alguem vivo. Seu olhar encontra o meu e ele é tao desolado que é dificil manter as lagrimas paradas dentro dos olhos.
- Como viemos parar aqui? - ele murmura para si. Tao baixo que eu quase nao pude entender.
- Konoch. Eu estive com ela em algum lugar ou plano, nao sei. Ela nos salvou...
- Oh. Nem sei o que dizer.
- Devemos sair logo daqui. Eu sinto que ainda a armadilhas ao redor.
- Vamos tentar acordar os outros.
Ele me ajuda a levantar com muito sofrimento. Sei que Jefferson nao vai acordar agora e nem com qualquer puxao. Ele precisa de tempo. Entao, me abaixo ao lado de Anandi. Ela esta com a pele borbulhando em um tom de vermelho e marrom. A uma cicatriz na bochecha do lado direito que vai ate o canto da sua boca. Parece que a carne queimou de dentro para fora como em um choque de alta tensao. Seguro seus ombros o mais firme que posso e a balanço. Nao tenho coragem de olhar para seu rosto por muito tempo. Ela exala um cheiro de carne queimada e sangue. Sei que ela vai ficar com uma cicatriz no rosto por toda a vida depois disso. Maculando seu rosto belo.
Ouço um pequeno chiado e vejo que vem dos labios dela. Ela chama por alguem, mas nao consigo distinguir o nome.
- Anandi? - chamo e balanço-a. - Voce pode se sentar?
- Jefferson? - ela chama em meio a um delirio.
Seus olhos se abrem e me fitam cansados. So agora percebo que sao verdes. Um tom de verde-musgo.
- Sou eu, Anandi. Laura.
- Ela fecha os olhos novamente como se eu fosse a ultima pessoa que ela gostaria de ver.
- Pode ir. Estou... bem.
- Voce nao esta nada bem.
- Por favor, vá! - ela diz em um comando raivoso.
Me levanto com muito esforço e vejo Marcelo conversando com Diana que esta deitada com os bracos sobre o rosto como se estivesse encarando o sol. Suspiro. Me sento ao lado de Jefferson e tento encarar apenas seu rosto. Nao tenho coragem de olhar para suas asas. Sinto o cheiro de sangue mais forte do que qualquer outra coisa. Puxo a cabeca dele para minhas pernas e aliso seus cabelos. Estao molhados de suor e tao compridos. Passo os dedos por seu rosto na area onde o liquido nao conseguiu queimar. Sinto um tremor sob minha mao e observo atenta Jefferson abrir os olhos com dificuldade e virar seu rosto para mim. Ele sorri mesmo em meio a dor.
- Laura...
Ouço meu nome tao leve em seus labios e ele repete mais uma vez quando ve um sorriso se formando em meu rosto. Mal posso enxerga-lo com meus olhos embaçados pelas lagrimas antes de me jogar em seu corpo fraco. O aperto firme mesmo quando sinto as penas molhadas com um liquido quente tocarem a palma da minha mao. Afundo meu rosto em seu pescoço e choro em seu ouvido enquanto me pergunto, "Quando tudo isso chegara ao fim?"

                            +++

A muito tempo nao tive mais nenhuma necessidade humana. Mas agora minha boca parece tao seca e posso jurar que sinto graos de areia passeando por ela. Claro que nao é uma sede fisiologica. É algo psicologico, como se o corpo estivesse se lembrando da sensacao. Depois de algumas horas de descanso e de Marcelo e Diana terem doado um pouco de suas essencias para Jefferson e Anandi que estavam mais machucados, voltamos a percorrer o nosso caminho em direcao a Ohtake. Nao aceitei nem um pouco da essencia deles. Tenho apenas alguns machucados nos bracos que parecem estar se curando um tanto rapido demais. Olho para baixo, onde minha mao esta unida a de Jefferson. Na outra seguro firme o cabo da adaga que permaneceu brilhando apos o ataque aos cipos. A unica arma que esta com carga total e que pode servir de alguma ajuda. As asas de Jefferson cicatrizaram depois da doacao que recebeu e foi um alivio para mim poder vê-lo quase como antes. Nao gosto de ve-los sofrendo. Nem mesmo Anandi que agora esta andando lado a lado com Jefferson e olha para ele pelo canto dos olhos. Me sinto responsavel por eles mesmo sabendo que nao sou a unica Overrun aqui.
Vejo a mao de Marcelo erguida a nossa frente indicando que devemos parar para mais um descanso. Nos sentamos em um circulo silencioso e acabo cortando-o para contar-lhes sobre o que Konoch me disse. Falo sobre o lugar, suas palavras sobre os perigos de Ohtake. Quatro rostos me olham com aspectos cansados.
- O que voces acham que nos aguarda por la? - pergunto.
- Bem, eu ja ouvi algumas coisas sobre essa cidade. - Diana diz olhando para o chao.
- Nos conte o que sabe. - Marcelo pede.
- Essas cidades por onde passamos fazem parte de lendas. Poucos anjos ja atravessaram do lugar de onde viemos para uma delas e voltaram para contar a estoria. Bem, eu acabei ouvindo algo sobre Ohtake. Dizem que os anjos que habitam o lugar nao sao hospitaleiros e sao bastante rudes com forasteiros. Eles se escondem nas sombras das arvores secas que surgem no meio do canion conhecido como o lar deles. O lugar todo parece ser assombrado.
- Tem certeza que sao anjos que vivem la? - Jefferson pergunta ironico.
- A maioria dos anjos que vivem nessas cidades se isolaram do resto depois de saberem para que foram criados. Se rebelaram nao querendo participar de uma luta contra os demonios a favor dos humanos e se esconderam em diversos planos. - ela conta seria.
- Voce sabe algo sobre o guardiao do outro pedaco do amuleto? - pergunto.
- Ouvi dizer que se trata de um grande lobo alado branco. E nao parece gostar de visitantes tambem.
- Um lobo alado? Todos os animais sao alados aqui? - digo surpresa.
- É a representacao do espiritual com o terreno, Laura. Sao especiais. - ela responde.
- Sera que ele vai nos ajudar como Konoch fez? - Jefferson pegunta.
- E tambem o dragao vermelho. - Anandi completa.
- So saberemos depois que a Laura pegar o amuleto. - Marcelo afirma.
- Suponho que a Anandi deve ir comigo. Nao sou mais a unica Overrun aqui. - digo lancando um olhar de desaprovacao para ela que cruza os bracos.
- Tambem nao precisa chorar, Laura. Se eu dei conta de um dragao quanto mais de um lobo.
Quando abro minha boca para responde-la Marcelo levanta nos chamando para seguir em frente.
Meu rosto esquenta enquanto o sangue sobe ate meu cerebro. Quando eu estiver sozinha com ela imagino que nao irei me segurar diante de tanta arrogancia que ela joga em cima de mim. Tudo porque ela se encantou por Jefferson.
Caminhamos por mais algumas horas sem ver nada de novo, so o caracteristico uivo do vento em nossos ouvidos. Ate agora parece que nao existem armadilhas ou barreiras. Paramos mais uma vez para descansarmos e Marcelo diz ter um pressentimento que estamos quase chegando em Ohtake. Ele sentiu uma força obscura fluindo a frente e compreendeu que estamos bem perto de lá.
De repente, senti um calafrio subindo por meu pescoço que acaba me assustando. Como se algo frio tivesse me tocado. Me ergo das pernas de Jefferson onde minha cabeca estava repousada e olho adiante. O som nos meus ouvidos se foi e sempre que ele se instingue algo ruim esta chegando.
- Acho que tem algo se aproximando. - digo enquanto fico de pe ja com a adaga em punho.
- Tambem estou sentindo algo. Um espirito. - Diana sussurra.
Ficamos todos estaticos olhando fixamente para a nevoa e tentando ver o que se espreit por ela. Anandi esta um pouco a frente com os bracos cruzados segurando o stin firmemente. Sinto a nevoa fria se movendo com uma brisa misteriosa do meu lado esquerdo e olho para la rapidamente. E nesse momento um grito me assusta. E volto meu rosto para a ponte novamente.
Anandi esta com o stin em forma de bastao o empunhando em defesa. Algo nao muito distante dos seus pes se materializa em uma nevoa negra. É tudo tao rapido que ninguem tem tempo de afasta-la da coisa e em sua frente um animal de pelo vermelho se abaixa como se para saltar e rosna agressivamente. Anandi golpeia o animal com o bastao e ele se torna nevoa no momento em que o objeto passa direto por ele. Ela salta para tras com o rosto contorcido em surpresa e a nuvem negra se volta para tras se metamorfoseando novamente no animal laranja. Ao meu lado, Marcelo e Diana trocam um olhar e parecem calmos como de conhecessem a tal coisa. Aperto os olhos para tentar enxrgar melhor o animal porque seu corpo tremula como se ele nao conseguisse manter a forma por muito tempo. Percebo que se trata de algum tipo de raposa da neve do tamanho de um cao pastor-alemao. Ela encara Anandi com sangue nos olhos, o odio ali é quase palpavel.
- Nao se assuste, Anandi. Ela é um Jing, um espirito localizador. - Diana diz o mais baixo e audivel possivel. - Ela deve querer te mostrar alguma coisa.
Anandi se volta para Diana com o rosto raivoso e confuso.
- Dessa maneira? Parece mais que ela quer me mostrar suas garras.
- Jings so se curvam depois de capturados. Voce tera que faze-lo ou ela nao te deixara em paz por todo o caminho.
- So faltava essa... - Anandi murmura para si. - E como eu vou capturar essa coisa? - ela aponta para a raposa que esta agachada com os dentes a amostra, avaliando-a.
- Com isso.
Diana joga algo como uma corda para Anandi que a agarra facilmente. Ela analisa o artefato entre os dedos e parece cetica.
- Uma coleira? Como vou por isso em um espirito?
- Ela esta encatada e tem o pingente com o simbolo dos Jings. Lute e encontre uma maneira.
Diana pede para que nos afastemos para dar espaço para que Anandi consiga lutar com o Jing sem que caia da ponte. Ela se coloca em posicao de defesa segurando o bastao frente ao corpo e com a outra mao segurando a coleira entre os dedos. A raposa vendo o gesto da garota mostra ainda mais os dentes e se abaixa para o ataque. Ela pula sobre Anandi que desvia com um pulo de lado e gira o corpo acertando a cabeca do animal por tras que guincha de raiva. O Jing circula Anandi que faz o mesmo ate que ela resolve partir para o ataque. Percebendo que se o ataque vier por tras a raposa nao se metamorfoseia, Anandi corre para o animal o mais rapido que pode saltando por cima dele. A raposa ergue a cabeca confusa enquanto ve a garota voando e aterrisando as suas costas e com um movimento rapido saltando em seu pescoco. Anandi e o Jing rolam na ponte e ouço gritos abafados da garota que tenta se manter firme enquanto a raposa acerta mordidas em seus braços. Quando acho que as duas vao cair da ponte, Anandi coloca a coleira no pescoco da raposa. Imediatamente a mesma se aquieta perplexa e sai um pouco para longe de Anandi que se ergue do chao. O animal olha para ela com curiosidade parecendo bem diferente de agora a pouco.
- Pronto. - ela diz arrumando os cabelos revoltos.
- Ela quer falar com voce, querida! Agora é sua responsabilidade. - Diana dia rindo.
- Falar comigo? E isso seria como?
- Se abaixe e toque a cabeca dela.
Anandi parece com medo por um segundo, mas logo ela empurra isso para tras de sua mascara arrogante. Ela se abaixa frente ao animal que leva o focinho em direcao a mao erguida dela. O olhar de Anandi paraliza de uma maneira estranha por um momento ate que ela afasta a mao para longe do Jing.
- Ela me disse que seu nome é Mei e que vai nos levar ao portal para Ohtake.
Anandi caminha em minha direcao e para em minha frente apontando o indicador de uma maneira ofensiva.
- E um recado para voce. Yuan esta lhe aguardando. - ela diz me dando as costas com Mei aos seus pes.