domingo, 27 de julho de 2014

[A Penúltima Cartada] Capitulo 8

Acordo com o alarme do relogio pulsando em meus ouvidos. Olho para ele relutante e vejo que sao 07:00 hrs. Estou cansada, dolorida e suada. Tive um sono muito inquieto como nunca havia tido. Os sonhos pareciam tao reais que eu acordei gritando varias vezes na escuridao da noite. Sonhei com um homem sendo perseguido por alguem encapuzado e sem conseguir fugir, acabava sendo morto. A pessoa que o matou tirava o capuz do rosto, e eu levava um susto. Era a presidente Branca. Em dado momento, eu era o homem e estava sendo perseguida por Holtz. Era terrivel. Eu via sangue escorrendo de sua mao para o punho da arma. Ela tinha um olhar descontrolado, selvagem. Meu coracao salta com a lembranca viva em minha mente. Algo me diz que estou ficando paranoica com essa ideia fixa em relacao a presidente. Preciso me controlar.
Levanto e arrumo a cama antes de tomar banho. Logo após, pego um macaquinho rosa e uma blusa branca do guarda roupa e visto. Calço uma rasteirinha dourada. Volto para o banheiro e me olho no espelho. La estao as olheiras se apresentando de leve, mas nao o bastante para precisar de maquiagem para cobri-las. Bagunço meu cabelo com as maos com um pouco de gel. Passo a maquiagem leve de sempre e volto para o quarto me sentando em frente a tela de LED. Peço panquecas com cobertura de chocolate e suco de laranja. Antes de acabar de come-las a porta se abre de supetao, e Lucia entra.
- Que bom que ja esta arrumada. Pensei que iria encontra-la dormindo.
Nenhum bom dia ou como voce esta? Dormiu bem? É, acho que ela me adora.
- Bom dia para voce tambem. -respondo de boca cheia de proposito. Ela me da um olhar de repreensao.
- Voce quer ver a cidade primeiro ou sua secao da Universidade?
- A Universidade. - respondo parecendo ansiosa demais.
- Espero voce terminar. Temos tempo. - ela diz com ironia.
Termino com o restante rapidamente para evitar reclamacoes e entao saimos. Ja no elevador, ela me entrega uma folha com o mapa da minha secao. Secao C. No terreo, fica o Hall de Entrada com o palco, duas salas a direita (o tenente e a sub-tenente dividem a maior, e a menor é a do policial chefe da FIPAS), um corredor a esquerda que da para os elevadores e ,ao lado deles, fica a entrada para o imenso patio central que é dividido entre as 4 secoes. Nos andares superiores, ficam as salas de aulas, bibliotecas, laboratorios, salas de projecao, escritorios, etc. No andar subterraneo ficam as salas de treinamento com armas, as salas de aula de defesa pessoal, e outras salas de reunioes para os policiais da FIPAS. No ultimo andar ficam o escritorio da diretora, uma sala imensa para a presidente se acomodar quando faz visitas, uma biblioteca proibida a alunos, e escritorios para profissionais de patente mais alta.
Assim que saimos do predio, damos de cara com varios outros alunos e suas secretarias indo em direcao a Universidade ou para os carros da PFAC. A maioria, na verdade, esta indo para o tur na cidade. Quando entramos no hall da minha secao quase nao ha ninguem por ali. Uma tranquilidade envolve o ambiente. Lucia quer ir ver os andares superiores, mas eu fico encantada com o patio e nao resisto. Dois guardas ficam em frente as portas de vidro e um deles passa um cartao na trava de seguranca. Ja podemos ver atraves da parede de vidro uma grande extensao do lugar, mas nada se compara a visao do lado de dentro.
Ha varias arvores de diferentes especies em toda parte. Parece que eles arrancaram um pequeno bosque de algum lugar e trouxeram para ca. Varios bancos brancos estao dispostos em trilhas aqui e ali. No centro, uma fonte de pedra tem a figura de um anjo olhando para o alto. Sigo seu olhar e contemplo os 7 andares da universidade indo de encontro a um teto negro. É de tirar o folego. Entre um patio e outro existem paredes de vidro transparente separando as secoes, mas por eles da para ver os estudantes do outro lado. É um sistema impressionante. A Universidade é um enorme O quadrado e no meio ficam os patios.
Em um canto existe ate mesmo um pequeno jardim. Eu poderia ficar aqui o dia inteiro lendo ou apreciando. Nem perceberia as horas passando. Me sento em um banco proximo a fonte junto a Lucia. Ela parece impaciente.
- Acho que devemos ir logo ver os outros andares, se ainda queremos ir a cidade. - ela diz seria.
- Nao tenho vontade de ver o resto do lugar. Amanha ja terei aula e poderei ve-los. Gostaria de ficar aqui mais um pouco.
Talvez aqui seja maid facil de Wellington me encontrar, penso. Ela analisa minha resposta enquanto formula uma ideia.
- Hum. Entao, eu poderia ir para casa e vir busca-la a tarde para irmos ao centro da cidade?
- Parece uma boa ideia.
Ela se levanta apressada. Acho que tem algum compromisso por causa da maneira como nao para de olhar para o relogio.
- Entao, ate mais tarde.
Ela sai praticamente correndo do lugar. Me sinto aliviada. Lugares como esse temos que dividir com uma companhia agradavel e que o aprecie tanto quanto nós. Uma brisa artificial toca minha pele e mesmo que o som de passaros seja de uma gravacao, o lugar me tras uma tranquilidade gigantesca. Fecho os olhos e sinto o cheiro da terra, da grama, das arvores, perfume masculino forte... Abro os olhos instantaneamente e me deparo com ninguem menos que Wellington sorrindo diante da minha reacao de espanto.
- Desculpe por assusta-la. Vi voce entrando com a sua secretaria e pensei que talvez pudesse lhe fazer companhia.
- Claro.
Ele esta usando a mesma farda da FIPAS que lhe cai como uma luva.Meu coracao estava acelerando, as palmas de minhas maos suando, mas nao era uma visao que estava chegando. É a imagem de Wellington. Ele é quase um pecado mortal em minha frente. Meus pensamentos ficam borrados, ate que lembro de porqur estavamos aqui.
- Sera que podemos ir agora? Estou muito curiosa. - digo o encarando.
- Claro que sim. - seu olhar recai sobre mim de uma maneira que me deixa constrangida. - A sala do Policial Chefe esta vazia. Na verdade, estou usando ela.
- Voce esta cuidando dos deveres dele?
Estranho.
- Sim. Ninguem mais poderia. - diz pensativo. - Ele confiava em mim.
- Confiava? O que aconteceu...
- Vamos. Nao podemos falar aqui.
- Entao, vamos logo.
Ele se levanta apressadamente para me ajudar mesmo que eu nao precise. Quando nossas maos se tocam sinto uma eletricidade pulsante. É estranho porque nunca experimentei essas sensacoes com ninguem. Comeco a pensar que talvez seja... Nao, é cedo demais para isso. Nem sei se somos realmente amigos. Preciso manter o foco.
A porta do patio desliza automaticamente a nossa frente, e saimos. Voltamos pelo corredor da esquerda, e ele abre a porta de metal da sala do policial chefe. Ela desliza se fechando as nossas costas. A sala é simples. Possui uma mesa de madeira preta ao fundo, duas estantes abarrotadas de papeis, livros, pastas. Um vaso ao lado da mesa, e é isso. Me sento em uma das duas poltronas em frente a mesa e Wellington senta na outra, querendo ficar proximo a mim. Talvez para poder cochichar.
- Tem alguma...
- Tem duas, mas eu cuido delas. Nao precisa se preocupar.
- Tudo bem. - suspiro. - Entao, voce ja pode comecar.
- Sem problemas. Olha, voce sera minha auxiliar sim. Tive a confirmacao a pouco. - ele hesita. - O Policial do qual voce deveria ser auxiliar esta desaparecido a semanas. Provavelmente, morto. Eu queria que voce soubesse disso antes que nao tivesse mais escolhas. Voce ainda pode desistir.
Me sinto aliviada por um momento. Ele nao sabe sobre mim. Mas, o problema continua crescendo.
Ele apoia os cotovelos sobre as pernas enquanto olha para o lado.
- A uma semana do ocorrido, o policial Jonas estava muito inquieto e estranho. Na verdade, ele estava a beira dos nervos. Se irritava com qualquer coisa, parecia em outro planeta a maior parte do tempo e eu tinha que ajuda-lo em quase tudo nas investigacoes. Ele soltava umas frases soltas e costumava falar sozinho. Dava a entender que estava sendo perseguido. Mas nao compartilhava nada com ninguem. Nem mesmo comigo.
Ele suspira triste e retorna a falar.
- Entao, em um dia, ha duas semanas, eu estava nesta sala esperando para que ele me desse o resultado de uma investigacao importante, mas ele nao chegou. Liguei para o seu celular, mas so caia na caixa postal. Entao, liguei para a casa dele e a mulher atendeu, e me disse que ele havia saido a horas. Ja deveria ter chegado. Depois disso, nunca mais o vimos.
- Procuramos por toda cidade. Nos predios, lojas, em todo lugar. Fomos na casa de parentes, vasculhamos todo e qualquer lugar para o qual ele pudesse ter ido, mas tambem nada. Nao encontramos o corpo. Ele foi dado como morto mesmo assim, e no laudo colocaram como queima de arquivo, o que provavelmente seja verdade.
- Ele estava chefiando uma investigacao séria em relacao ao trafico de drogas. Isso nao deveria existir no pais, mas ainda esta la incubado de alguma maneira. Pode ter sido um dos pequenos chefes do trafico com sede de viganca.
Ele para com o olhar perdido.
- Mas, voce acredita que corro riscos? Porque esta se preocupando comigo e me contando tudo isso?
Ele emudece, e so posso ouvir sua respiracao acelerada. Cada vez mais. Ele passa as maos sobre a cabeca.
- Alice, voce estara correndo riscos sim. Eu tenho percebido coisas durante meus trabalhos. Desconfio que... - sua voz parece frustrada. - Nao posso contar agora.
- Voce esta me deixando mais confusa. Quem voce acha que fez isso? A presidente?
Ops... Saiu antes que eu pudesse evitar.
- Nao, ela nao. - ele responde rapido como se nao se importasse que eu a tivesse acusado. - Outras pessoas. Mas nao tenho provas. Posso estar errado. Pode ter sido qualquer coisa.
- Voce nao me respondeu porque esta me dizendo tudo isso. Porque se importa com a minha seguranca?
- Eu nao sei. Talvez eu fizesse isso por qualquer pessoa. Nao quero me sentir culpado caso aconteca algo com voce.
Eu nao sei porque, mas sinto uma pontada ao ouvir essas palavras.
- Ah. Claro. Mas, nao posso desistir. Ha pessoas que diriam que isso seria covardia.
- Nao seria covardia, Alice. Seria prevencao. Esse cargo tem causado muitas inimizades. Ninguem fica muito tempo nele.
Me sinto frustrada. Nao posso contar a ele porque nao posso voltar para casa. Simplesmente, nao poderia.
- Nao posso voltar. - digo olhando para minhas maos. - Nao me pergunte o porquê.
- Entao, nao vai adiantar mesmo eu falar mais, nao é? - ele ri triste.
- Existe um motivo para eu estar aqui. Varios na verdade. Apesar de nao entender boa parte deles, sei que preciso ficar.
- Ja que voce nao vai me ouvir, o minimo que posso fazer é o meu trabalho. Ajudarei voce no que precisar.
- Eu sei.
Na verdade, eu nao sabia. Nao ha como ter certeza. Mas, apartir desse momento eu tentaria confiar nele. Ainda mais se ele quer que eu continue viva. Se isso que aconteceu a esse policial é algo frequente, entao preciso me aliar as pessoas certas. Agora eu tinha dois problemas. Os inimigos do falecido policial, e os meus fantasmas.
- Tem certeza que nao quer me falar desses seus motivos? - ele diz.
- Por enquanto, nao. Tenho coisas demais com as quais lidar no momento.
- Tudo bem. Eu sei esperar. - ele diz docemente. - Alice, tenho que admitir que voce é corajosa. Poderia estar aflita com o que acabei de dizer, mas parece estar pensando em outras coisas.
- Tenho problemas maiores que esse. Mesmo que esse pareça o mais imediato. Obrigada por me prevenir, e me contar sobre isso.
Ele se aproxima com um sorriso genuino.
- Agora, somos um tipo de aliados, nao é? - ele diz esticando uma mao para mim.
- É. Aliados.
Apertamos a mao. Um encarando o outro. Comeco a sentir aquela eletricidade novamente. Meu coracao nao sabe como se comportar, e nem eu. Fico muito agitada com esse toque mais demorado e saio de perto dele o mais depressa que posso. Minha visao esta embacando. A porta se abre assim que me aproximo. Antes de sair, olho por sobre o ombro e vejo Wellingnton cabisbaixo e com um semblante cansado. Me apresso a sair antes que surte. Quem sabe se conseguiria sair depois? Nao posso misturar as coisas. Vamos trabalhar juntos, nao pode ser mais do que isso. Nao posso dar esperancas a ele.
Fico parada no corredor totalmente indecisa. Nao sei se volto para o patio ou se vou para o quarto. Talvez eu devesse ter ido com Lucia a cidade. Apesar que nem sei o que vamos ver alem de predios e mais predios. Olho o relogio que marca 09:00 hrs. Antes que eu tenha me decidido a porta se abre atras de mim.
- Ainda aqui? - ele diz.
- Nao sei o que fazer.
Em relacao, a muitas coisas...
- Hm. Gostaria de ir comigo a um restaurante na cidade? - diz com esperanca na voz.
Nao sei o que dizer. Talvez eu nao devesse ir... E se?
- Seria apropriado? - pergunto.
- Hoje tenho o periodo da manha de folga. E , suponho que voce nao tem nada para fazer. Ninguem se importaria. Por favor, Alice. Acho que precisamos conversar melhor.
- Tudo bem.
Ele me oferece o braco e saimos da Universidade. A alguns metros de distancia, um carro preto 4x4 da FIPAS esta estacionado e vamos em direcao a ele. Ele abre a porta para mim e entramos. É estranho entrar em um carro da policia com um cara que voce mal conhece. Agradesco por nao ser um carro da PFAC. Ou estar aqui com ele seria um desastre. Em pensar que logo terei um carro como esse tambem.
- O resturante fica longe daqui? - pergunto.
- Nao. Esta nervosa? - diz rindo.
Maldito corar.
- Um pouco. Isso tudo é novo para mim.
Ele me da um olhar feliz como se eu tivesse dito outra coisa. Como se eu tivesse me referido a ele. Coisa que nao fiz.
- Olha, eu preciso falar sobre isso... voce sabe, que esta acontecendo entre nos.
- O que esta acontecendo? - uma sombrancelha é levantada para mim seguida de um sorriso.
- Ahh, nao me venha se fazendo de doido. Voce sabe muito bem.
- E, o que voce quer dizer sobre isso?
- Que, bem, eu nao quero misturar as coisas. Trabalho e... Nao vai rolar.
A palavra estava entalada. É altamente estranho proferi-la.
- E? - ele esperava nervoso que eu continuasse.
Nem percebi que o carro havia parado.
- E amor. - digo de cabeca baixa. -  Voce nao pode esperar que eu pense nas coisas dessa maneira.
- Por que? - suspira. - Acho que se voce vai me despensar mereco uma boa resposta.
Nao tenho tempo para responder. porque ele simplesmente abre a porta do seu lado, e tenho que fazer o mesmo. Ele nao queria receber um nao, mas eu precisava dizer a ele que nao entendia o que estava acontecendo entre nos. E nem sei se quero entender. Ja tenho tanto com o que me preocupar...
Ja na calcada observo o pequeno café na esquina. A varias mesas na parte de fora onde pessoas conversam e comem. Ele segura minha mao entre a sua e mesmo que eu a force para fora, o aperto dele é firme. Olho para ele como quem pergunta: "Voce nao ia esperar?". Ele me da apenas um sorriso traquina. Sentamos em uma das mesas do lado de fora e um garçom nos entrega dois tablets com o cardapio. Seleciono cheescake com sorvete de creme e Wellington pede o mesmo. O garcom recolhe os tablets e entra.
Nao consigo parar de olhar o lugar, as pessoas, os predios. É tudo tao diferente do resto do pais. Nao paro de pensar nas pessoas que estao morrendo ou sobrevivendo com tao pouco la fora. E, aqui eles vivem cercados no luxo. É tudo perfeito, mas me tras mais tristeza que outra coisa.
- Esta arrependida de ter vindo? Parece triste. - ele diz.
- Nao é isso. É tudo aqui.
- Nao pense nessas coisas agora.
- Me sinto deslocada. Com voce nao foi assim?
O garçom nos interrompe enquanto coloca os pratos sobre a mesa. Nunca provei algo como isso, e penso que meu pai ia adorar faze-lo. O prato é simples e em pequena porcao, mas decorado perfeitamente. Dou a primeira garfada e sinto como se tivesse engolido um pedaco do paraiso.
- Mais ou menos. - ele responde. - Na verdade, eu fiquei bem feliz. Pude ajudar minha familia e me encontrar aqui. Eu me sentia sem sentido no meu estado. La eu nao fazia nada por ninguem. Aqui foi me dada essa chance.
Ele tem razao mais uma vez. Em meu estado, jamais poderia ajudar alguem. Nem a mim mesma.
- Voce tem razao. Ficar triste nao ajuda ninguem.
Ele concorda com a cabeca.
- Quero lhe dizer uma coisa. Eu acho que nao seja por essa linha do trafico o que aconteceu com ele. Os traficantes trabalham dentro dos seus estados. Nao tem como eles sairem sem apoio de dentro da policia. Ou eles conseguiram isso, o que acho quase impossivel ja que a policia é devota da presidente, ou talvez seja outra coisa.
- O que poderia ser?
- Estou apostando todas as minhas fichas nos protestantes.
Ele simplesmente joga as palavras em cima de mim esperando minha reacao. Protestantes. La estava a antiga palavra emergindo de volta. Quase nao me lembrava mais dela. Era dita aos sussurros quando denotava aos antigos revoltosos do passado. É uma palavra proibida. Meu pai nao cansava de falar como o pai dele lutou junto com eles. Mas nao concordo com a maneira como eles lutaram.
- Os protestantes nao eram chefes do trafico de drogas que se interligaram em uma rede unica? Para mim, da no mesmo.
- Isso é o que o Governo nos diz. Mas a verdade tem outra face.
Sempre os vi como bandidos repugnaveis que so queriam mais e mais poder.
- Eles eram no inicio os chefes do trafico. Mas depois que a presidente Martins vendeu os Estados de Fronteiras, as pessoas se revoltaram. Eles disseram que os protestantes mataram metade das pessoas daqueles estados como uma amostra do poder que tinham, e de ate onde chegariam pelo que queriam. Mas a verdade é que a presidente Martins mandou executa-los. Por isso, as pessoas se revoltaram e lutaram ao lado dos protestantes. Ficaram do lado deles.
Meu pai havia me contado sobre essa hipotese, mas sempre me pareceu algo abominavel.
- Ainda nao entendo onde voce quer chegar. O que eles tem a ver com isso?
- Os descendentes deles ainda vivem por aí, Alice. Eles ainda tem sede de vinganca. E o regime da presidente Holtz tem massacrado muitas vidas. É inevitavel que ninguem queira tomar uma atitude. Tenho motivos para crer nisso.
Isso era verdade. Eu mesma tinha uma certa vontade de ver as coisas mudarem. Vejo sentido no ponto de vista dele. Muito sentido.
- Eu quero saber mais sobre isso. - falo. - Me conte tudo o que sabe.
- Por enquanto nao posso, Alice. Quando voce for minha auxiliar poderei mostrar-lhe coisas que agora nao posso.
- Tudo bem. Eu espero. Mas quero que saiba que vejo significado no que voce disse. Sei que as pessoas nao estao contentes com suas situacoes. Mesmo que isso nao lhes de motivo para terem matado o policial. Elas nao ganhariam nada com isso.
- É um aviso... Um aviso. - ele diz perdido em pensamentos.
- Um aviso?
- Sim. Eles estao voltando. Eu sei.
- Vamos investigar quando for a hora. Quero entender o que eles realmente querem. Mesmo que estejam querendo um pais melhor, estao lutando da maneira errada.
- Concordo. So quero que espere mais um pouco.
- Terei paciencia. Prometo.
Silencio.
- Que tal voce me falar um pouco sobre voce? - ele diz.
- Sobre mim? Nao a nada para saber.
- Claro que há! Seus gostos, suas perspectivas, sonhos...
- Desculpe, mas nao sou boa em falar de mim mesma.
- Comece me dizendo sobre coisas que voce gosta de fazer, ver. Coisas assim.
Nada parecia bom o bastante para ser comentado. Na verdade, em poucos momentos eu havia parado para pensar em mim. No que eu queria, gostava. Tudo sempre tinha ficado em ultimo plano.
- Gosto de ler. - a unica coisa que eu conseguia lembrar. - Tenho alguns livros preferidos, mas ficaram todos em casa. Tem uma serie bem antiga que gosto muito que foi da minha tatatataravo. Passaram de familia a familia. Estao bem velhinhos.
- Tambem gosto de ler. - ele diz entusiasmado. - Qual é essa serie?
- Ela é proibida. Nao posso dizer aqui. Mas tem uns passaros na capa, e fala de revolucao.
- Acho que ja ouvi falar, mas nunca li. - ele diz pensativo. - Gosto de ler romances policiais. Livros com acao.
- Voce ia gostar deles. Tem acao.
Sorrimos.
- Do que mais voce gosta?
De repente, senti uma vontade de contar tudo que estava entalado. Nao so para ele, mas a mim mesma.
- Nao gosto de ceu azul. Prefiro quando o tempo esta nublado. Sempre quis aprender algum daqueles tipos de luta antigas. Nao gosto de ficar sozinha. - as palavras fluiam. - E tenho uma certa vontade de ver esse regime mudar. Talvez por ter lido em alguns livros sobre revolucoes, pensei que aquilo talvez fosse possivel na realidade. Que a liberdade poderia existir.
Me trazia uma paz muito grande falar sobre o que pensava em voz alta. Pela primeira vez, deixei escapar a verdade que existe em mim. Eu quero tirar as correntes que me amarram. As proibicoes, as limitacoes. Mas, como se comeca uma revolucao? Nos livros, parecia mais facil. La a minha cabeca nao estava a premio e cheia de antigos medos.






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