quinta-feira, 29 de maio de 2014

[Overrun: Sombras Ocultas] Capitulo 2

Uma luz começa a se alastrar por todo o corpo de Jefferson enquanto ele se levanta assustado. Me afasto cobrindo os olhos com um dos braços. Após alguns segundos a luz abranda ate sumir e olho diretamente para ele. As asas estao la intocadas, a nao ser pelo brilho que se foi. Mas a armadura de Ronái desapareceu e ele esta com suas roupas normais. A camiseta branca com os botoes abertos em uma gola v e a calça jeans de quando saimos de casa para entrar nesse mundo. A quanto tempo? Eu nao saberia dizer. Porém, algo mudou nele. Quando ele se vira para mim é como se outra pessoa estivesse em seu lugar. Um homem relativamente forte, nao musculoso demais, a altura de Ronai ainda permanece com ele e seu rosto parece mais velho. Mas os olhos dourados ainda estao la inundados de poder. O cabelo antes espetado, agora esta maior e bagunçado quase cobrindo seus olhos. Essa visao praticamente me derrete e esqueço do frio, das duas mulheres renascendo no chao a meus pés, dos olhos sobre nós.
- Um anjo... - eu murmuro.
Sim, um anjo. Da maneira como eu sempre imaginei. Tao puro e com asas verdadeiramente brancas. Ele nao vem ate mim e parece ainda assustado quando fala.
- O que aconteceu comigo? - ele pergunta olhando para Marcelo.
- Voce deu um pouco da sua essencia e acabou perdendo alguma coisa. Voce nao é um anjo de verdade e por isso esta mudando.
- Eu... posso deixar de ser um a qualquer momento?
- Nao tem como sabermos. Daqui em diante voce nao fara mais nenhuma troca de essencia como cautela.
O rosto dele se contorce com tristeza. Ele se acostumou a ser um anjo e posso ver isso nos seus olhos quando eles me encontram. Vou ate ele e seus braços me envolvem. Percebo que Anandi e Diana ja estao de pé e bem. Elas
olham para nos parecendo nao saber o que dizer diante do que veem. Diana da um passo a frente e fala:
- Devemos ir agora. E precisamos ter cautela. Algo me diz que essa ponte ainda guarda muitas armadilhas. - ela abaixa um pouco a cabeça e continua. - E, obrigada por nos salvarem. Voces poderiam ter nos deixado la embaixo. E agora me sinto responsavel pela perda do garoto.
- Nos nunca deixariamos voces la embaixo. Voces fazem parte disso tanto quanto nos. Nao precisam agradecer. - Jefferson diz. - Nao se preocupe comigo. Eu sou mais do que isso em primeiro lugar.
Olho para Anandi e percebo seu olhar recaido sobre ele. Parece estar encantada com Jefferson. Mas nao a culpo. Teria que ter muita força de vontade para ser indiferente.
Começamos a caminhar com Anandi, Diana e Marcelo a frente e, eu e Jefferson na retaguarda. Armas em punho e olhos cravados no chao para o caso de alguma corda estar espreitando na nevoa. Minha mao livre e a de Jefferson juntas como a muito tempo nao haviam estado. Procuro algo para dizer porque nao quero que um muro fe constrangimento e silencio acabe nos afastando.
- Eu achei que voce ficou melhor assim, Jefferson.
Pelo canto dos olhos vejo um sorriso se formando em seu rosto, ele abaixa um pouco a cabeça e o cabelo cobre seus olhos.
- Voce acha mesmo? Eu me sinto bem assim tambem. Obrigado.
- Voce nao imagina o quanto parece melhor agora. Nao que antes... Voce sabe.
- Estou entendendo. - ele diz rindo. - Voce tambem parece otima, sabia?
Olho para mim mesma, para o pouco visivel sem um espelho e parece tudo tao normal quanto antes. Ainda meio magra, a mesma roupa de antes, o mesmo cabelo ondulado em cachos.
- Estou como sempre estive. O anjo aqui é voce.
- Nao. Voce mudou, Laura. Tanto por dentro, quanto por fora. Esta mais firme e segura.
- Voce nao sabe o que diz. - digo olhando em seu rosto e ele abre uma das asas e cobre as minhas costas como se fosse o mesmo que repousar o braço sobre o meu ombro.
- Voce nao sabe o que diz. - ele fala em uma imitacao de mim e sorrio para ele.
- Qual o lance com a asa? - digo apontando com um gesto de cabeça para tras.
- Voce me atrai, Laura. Ela simplesmente foi. Acho que quer te proteger.
Me sinto corar como um pimentao.
- Nao diga isso! Me faz me sentir como uma boba. - falo. - Mas eu gosto da coisa com a asa.
Sinto-a se grudar ainda mais as minhas costas e o calor emanar para o meu corpo tao quente quanto um abraço.
- Fico feliz em ser util. - ele diz parecendo ler meus pensamentos e reviro meus olhos.
Andamos ainda por algumas horas ate que somos obrigados a fazer uma parada para descansar. Nos sentamos proximos a uma das tochas na borda da ponte fazendo um circulo ao redor dela. O problema é que elas nao foram feitas para esquentar. Mal conseguem facilitar a nossa caminhada com alguma luz. O silencio paira entre nos tao pesado quanto o frio que ja começa a nos rondar. Olho para os rostos de todos ali e vejo quanto nosso grupo sempre foi estranho e agora parece ainda mais. Anandi e Diana parecem desconfortaveis em nossa presenca e murmuram entre si desconfiadas. Marcelo parece curioso enquanto olha para elas. Parece estar prestes a quebrar o silencio.
- Acho que voces deveriam nos contar como chegaram ate aqui. Precisamos nos conhecer para termos alguma confiança uns nos outros.
Diana olha diretamente nos olhos de Marcelo como se estivesse com dificuldade de entender as palavras. Ela hesita por um momento e balança a cabeça antes começar a falar.
- Tudo bem. Acho que devemos isso a voces de qualquer maneira. Nao vou contar como conheci Anandi e em que circunstancias porque nao vem ao caso. - ela suspira e continua. - Nós entramos em um portal em uma floresta perto da casa de Anandi e fomos levadas para a cidade do fogo selvagem.
Marcelo se agita no seu lugar e seus olhos saltam das orbitas.
- A cidade onde os anjos sao criados? - ele diz.
- Exatamente. Os anjos nos acolheram e nos ajudaram a conseguir nossa parte do amuleto que estava sendo guardado pelo lendario dragao vermelho. Depois disso, o dragao nos ajudou a transpor o portal que nos trouxe ate aqui, mas ele desapareceu assim que nos descobrimos na ponte.
- Ainda nao posso acreditar que voces estiveram la. Nenhum anjo volta para aquela cidade depois que ele é mandado para nosso lugar.
- Eu quase nao acreditei. Mas era inegavel. - ela diz desconfortavel. - Agora que ja contei pelo que passamos sinto que voce deve fazer o mesmo.
- Eu vou contar. Mas quero detalhes sobre essa cidade mais tarde.
- Eu lembro de pouca coisa agora. As lembranças estao sumindo, mas prometo falar o que sei.
Marcelo começa a contar como chegamos ate Konden, como os Ronáis foram agressivos conosco e, como Konoch nos trouxe ate aqui e teve que se sacrificar por nós. Diana e Anandi ouvem a tudo atentamente, principalmente a garota que parece muito animada com a historia. Imagino que a jornada delas ate agora foi facil pelo modo como elas contaram que os anjos as acolheram. Para nós, pelo contrario, apareceram inumeros obstaculos.
Quando Marcelo termina de contar todos os minimos detalhes, ele convida Diana para dar uma caminhada pela nevoa para provavelmente fazer mais perguntas sobre a misteriosa cidade de fogo. Entao, resta apenas Jefferson, Anandi e eu. A garota joga algo pequeno e preto de uma mao para outra parecendo perdida em seus pensamentos. Olho para Jefferson ao meu lado que encara o objeto nas maos de Anandi com curiosidade. Ele se levanta e senta ao lado dela enquanto eles começam uma conversa.
- O que seria isso? - ele pergunta apontando para o objeto.
- Uma arma. - ela responde secamente sem olhar para ele.
- E como funciona?
Ele nao desiste.
Ela nao responde e apenas clica no objeto. Stin. Parece um pouco com a minha arma, mas o punhal é mais comprido e com um corte diferente e pontiagudo. Assim que o objeto faz um som de click uma lança se projeta para fora. Parece grande demais para ser manuseada por ela, mas imagino que , como eu, ela possui um desempenho oculto acelerado quando a empunha para uma luta.
Jefferson parece fascinado com a arma e pede para que Anandi a mostre alguns golpes. Começo a me sentir deixada de lado e faço um esforço para deixar o ciume trancado. Ela deve ser apenas uma garota mimada. Nao pode contra mim. Decido assistir ao espetaculo da garota enquanto minha mente viaja pelas varias maneiras com as quais eu poderia usar minha espada para acabar com ela.
Eu estaria mentindo se dissesse que ela nao sabe manejar aquela arma. Os movimentos parecem tao naturais que desconfio que nao vem de algum poder de Overrun. Parece mais como se ela tivesse feito aquilo a vida inteira. A lança faz arcos ao redor do corpo dela com uma agilidade incrivel enquanto ela salta, disfere chutes e ataca um inimigo imaginario. O vestido de luta da um ar encantador e mortifero aos sucessivos ataques da garota. Encaro Jefferson que esta com os braços cruzados e um sorriso no rosto acompanhando os passos de Anandi. Ela termina o show com um mortal para tras e se agacha no chao com a respiracao agitada. Se ergue rapidamente enquanto arruma o cabelo as suas costas e nao faz mencao de olhar para Jefferson. Ela volta para onde estava sentada a pouco e antes que eu desvie o olhar vejo-a sorrir presunçosamente para mim com um ar de vitoria.
Me seguro para nao levantar e mostrar minhas habilidades para ela. Nao descerei ao nivel que ela espera que eu faça. Apenas retribuo o sorriso para ela quando ele senta ao meu lado e acaricia as minhas costas. Porem, estou sempre me surpreendendo.
- Voce estava incrivel, Anandi. - ele diz ao meu lado. - Nunca vi ninguem lutar tao bem! Preciso ter algumas aulas com voce.
Ela nao responde. Apenas abaixa a cabeça enquanto sorri e meche numa mecha do cabelo. Ela esta tentado seduzi-lo se fazendo de recatada. Alguem que luta dessa maneira nao pode ser tao inocente. , penso. O que ela nao sabe é que este aqui ja é meu. Assim que tiver uma oportunidade mostrarei a ela o meu valor. O quanto posso ser tao boa quanto ela. Esse anjo aqui ja protege alguem.
Diana e Marcelo voltam do passeio afastando meus pensamentos e começamos novamente a caminhada. Fico imaginando o que encontraremos quando chegarmos em Ohtake. Se os anjos serao amistosos ou agressivos. Mas so o nome da cidade ja me da uma boa ideia de que nao podenos esperar nada de bom daquele lugar. Abismo dos Anjos Ocultos, penso testando as palavras em minha mente. Se eles estao ocultos deve ser porque nao querem ser encontrados e, provavelmente, nao querem amizade com forasteiros. E disso me surge uma pergunta crucial:
- Quando vamos chegar em Ohtake? Tenho a  impressao que essa ponte nao leva a lugar nenhum. - digo.
Marcelo me responde alguns metros a frente enquanto olha para Diana de soslaio.
- Eu nao sei, Laura. Nunca estive em nenhum destes lugares. Mas chegaremos quando for a hora. Paciencia.
Diana olha para mim por sobre o ombro com uma expressao indecifravel.
- Eu creio que essa ponte seja um teste. Todas essas armadilhas sao um teste para sua resistencia, sabedoria e paciencia. - ela diz.
- Boas palavras. - Marcelo diz empurrando-a de leve com o ombro.
Deixo o silencio retomar seu lugar entre nos e decido ficar quieta. Se essa ponte é um teste, espero estar passando nele.

                             +++

Sinto minhas pernas adormecerem aos poucos. A cada passo parece que agulhas de trico sao enfiadas perna acima com brutalidade. O frio cada vez mais intenso esta nos desacelerando. O som de ventania voltou como para alertar que um tornado esta prestes a chegar. Jefferson mesmo com dificuldade notavel mantem as asas abertas deixando de esquentar a si mesmo para aquecer a mim e Anandi. Estamos as duas bem proximas a ele, uma de cada lado. Eu do direito, ela do esquerdo. Uma asa repousada sobre nossos ombros. Contemplamos as costas de Marcelo e Diana que seguem quase com ombros colados. Sinto pena deles que estao com seus poderes enfraquecidos aqui e sem nenhum anjo para quebrar o galho.
Após mais alguns minutos, sinto tremores percorrendo meus calcanhares. Imagino quando chegara a hora que cairemos todos sobre essa ponte subjugados pelo frio. Morrendo por hipotermia. Jefferson e Anandi olham para seus proprios pes de maneira aflita.
- Voces estao sentindo? - ele indaga nervoso.
- O frio, o tremor ou as alfinetadas? - Anandi comenta tristemente.
- O tremor. Acho que nao é por causa do frio.
Continuamos olhando para nossos pes ate que trombamos com alguma coisa. Diana e Marcelo.
- Ei, porque voces pararam? - pergunto enquanto massageio minha cabeça dolorida.
- Olhem. - Marcelo diz apontando para algo no meio da neblina a frente. - Tem algo se erguendo ali.

Nenhum comentário:

Postar um comentário