sábado, 31 de maio de 2014

[Overrun: Sombras Ocultas] Capitulo 3

Com alguma dificuldade, comecei a perceber que os tremores nao vinham originalmente do meu corpo. Quando olhei na direcao para a qual Marcelo estava apontando percebi uma escuridao se movendo para cima e a nevoa ondulando. E o som do vento se foi. Nenhum de nós ousou dar um passo a frente, mas estavamos todos com as armas em punho. Anandi estava assumindo novamente sua postura de guerreira com um rosto serio e o corpo firme. Assim como Diana. De repente, a sombra a frente parou. Ou melhor, eu pensei que havia parado.
- Fiquem aqui. Eu e Jefferson vamos dar uma olhada. - Marcelo disse sobre o ombro na sua melhor voz de comandante.
Pena que nenhum de nós estavamos dispostos a acatar.
- Eu nao vou ficar aqui. Voce viu o que aconteceu conosco la atras. - Diana diz segurando o braço de Marcelo.
Ele estuda o rosto dela por um momento antes de assenti e suspirar.
- Tudo bem, mas fiquem juntos. Qualquer coisa, gritem.
Andamos bem proximos, nossos olhos erguidos para a imensa sombra a frente que parece bloquear o caminho. O problema é que ela nao esta se movendo.
- O que é? - pergunto para Marcelo que esta um pouco a frente olhando fixamente para o alto.
- Venham cá e vejam com seus proprios olhos. - ele diz.
Ele para com a espada abaixada e o olhar perdido. Logo a nossa frente, um muro bloqueia a passagem pela ponte. Sigo com o olhar a altura da parede ate ela se perder na nevoa. Ela esta recoberta por uma especie de touceira da cor de lodo. Assim que Marcelo leva a mao para toca-la a coisa toda chia como um rato acoado e ele afasta a mao assustado.
- O que é isso? Parece vivo. - Jefferson fala olhando a parede de musgo mais de perto.
- Nao se aproximem dessa coisa. -Anandi diz raivosa ao meu lado.
- Podemos passar pelos lados, certo? Jefferson poderia levar um de cada vez. - falo.
- Vale a tentativa. - Diana fala parecendo nao acreditar bem na minha ideia. - Melhor ele ir sozinho primeiro para fazer o teste.
-E se acontecer alguma coisa a ele? - pergunto.
- Marcelo pode me ajudar. - ele diz sem nenhuma expressao.
- E se ele nao conseguir e voce for capturado por alguma armadilha? Nenhum de nós poderia ajudar.
Ele vem ate mim e coloca uma mao sobre meu ombro. O olhar dourado firme.
- Eu preciso tentar.
Antes que eu fale mais uma objecao aquela ideia, ele alça voo. Todos seguimos ele ate a borda da ponte e ele desaparece indo para o outro lado. Ficamos apreensivos quando varios minutos se passam e ele nao volta.
- Sera que ele caiu em uma armadilha? - pergunto.
Antes que alguem me responda, algo toca minhas costas me assustando. Com a espada erguida me viro pronta para atacar. Mas paro assim que o vejo.
- Voce quer me matar?! - digo furiosa.
- Eu ia perguntar o mesmo para voce.
Rolo meus olhos. Suspiro.
- Porque demorou tanto?
Elebolha para a parede enquanto esperamos pela resposta.
- Isso nao é bem uma parede ou muro. Parece mais um tijolo gigante. Vai ao que parecem 15 metros a frente. Demorei para dar a volta, mas parece tranquilo. - ele diz normalmente.
Encaramos uns aos outros como se dissessemos: "Quem vai começar o jogo?" Ninguem faz mencao de falar alguma coisa. Nenhum deles quer ir primeiro. Nao enquanto podemos ouvir os cipós chiando as nossas costas.
- Eu vou. - digo finalmente.
- Melhor eu ir. - Marcelo afirma.
- Voce tem que ser o ultimo porque se acontecer algo so vove pode ajudar. Eu nao consigo voar. - Diana diz.
- Eu nao vou. - Anandi diz como se alguem houvesse dado a sugestao.
- Entao, esta decidido. Ele me leva e depois vem buscar o proximo. - digo me aproximando de Jefferson e os outros ficam em silencio.
Ele me toma facilmente em seus braços o que me da um certo alivio. Seu corpo é quente o bastante para me fazer esquecer nao so do frio como tambem do perigo a frente. Ele me olha nos olhos e me da um sorriso malicioso enquanto suas asas começam a cortar a nevoa que se espalha.
- Tomem cuidado. - Marcelo diz enquanto subimos um pouco no ar.
Percebo que Jefferson esta com dificuldade de me carregar pelo modo como sua respiracao se arrasta e pela nossa velocidade. Ele nao diz nenhuma palavra, mas enquanto olho para seu rosto vejo o quanto eles esta se esforcando. Se ele mal consegue me levar como vai conseguir trazer todos eles?, penso. Desvio o olhar para o muro para nao ter que pensar nisso. Observo os cipós se movendo lentamente quase imperceptiveis. O chiado parece estar aumentando agora que somos dois. Voamos por mais um minuto ate que ele me coloca no chao.
- Diga para Marcelo tentar vir agora e... sozinho. - digo e dou um abraço nele.
- Voce acha que ele consegue?
- O que eu acho é que voce nao conseguiria trazer os tres ate aqui. Va logo e dê meu recado para ele.
Ele se abaixa por um segundo e beija minha testa.
- Tudo bem. Volto logo e qualquer coisa, grite.
Observo ele voltar pelo mesmo lado que viemos. Se eu gritasse eles nao poderiam me ouvir a essa distancia e com esse chiado. Pego minha espada e a trago para perto do meu rosto. Tento enxergar meu reflexo nela, mas sem o seu brilho, ela esta fosca e nao vejo nada alem de uma sombra distorcida no metal. Quando a abaixo percebo algo se arrastando no chao lentamente para perto dos meus pes. Uma corda. Quando ela percebe, nao sei como, que estou levantando a espada para corta-la, ela se ergue como uma cobra, chia agressivamente para mim e ataca. Brando a espada para ela com força e quando ela toca o cipó, minha mao volta me atingindo e sou jogada para tras. Antes que eu consiga me levantar a coisa salta para mime agarra um dos meus pes. Me arrasto para tras puxando meu pe, mas o cipo é forte demais. Dou um golpe com a espada onde boa parte dele se enroscou, mas a lamina nao consegue cortar. A unica alternativa que me sobra é gritar e puxar a perna, mas nenhum dos dois surte efeito. Ninguem vem me ajudar e começo a imaginar que os cipos atacaram meus companheiros do outro lado.
Ataco com a espada novamente quando vejo minha perna totalmente enrolada pelo cipo que ainda esta avancando. Ouço chiados a frente e quando levanto a cabeça me deparo com mais cipos se arrastando em minha direcao. Um deles segura minha outra perna e outro tenta atacar meu braço que esta segurando a espada. Quando ele dar o bote, lanço a espada para ele e ela rebate caindo da minha mao a alguns metros. Percebendo meu fracasso, o cipo agarra meu braço e o aperta com força enquanto se enrosca nele. Meu corpo ja esta quase todo coberto como de uma mumia, me restando apenas um braço e a cabeça livre.
Com a mao livre tento puxar os cipos, mas eles estao infincados no meu corpo. Esculto um novo chiado que pega minha mao livre e sou puxada com violencia para o chao. Minha cabeça doi no ponto onde acertou na pedra e pontos brancos dançam em minha visao. Fecho os olhos sabendo que nao a mais nada o que fazer. Sinto o ultimo cipo fazer o seu trabalho e estou dentro de um casulo sendo arrastada para algum lugar. Eu nunca pensei que meu fim seria algo como isso. Devorada por cipos maniacos.
Os cipos estao me puxando provavelmente para perto da parede. Devem me pendurar em algum lugar fora da visao de qualquer um. Nao consigo parar de pensar nos outros e se estao na mesma situacao que eu. Por favor, que alguem tenha conseguido escapar. Sei que nao adianta pensar neles agora. Preciso encontrar uma forma de quebrar esse casulo e fugir para o mais longe desse muro assassino. Meu corpo bate contra a parede
quando começo a ser erguida para o alto do paredao. Sinto outros cipos se enrolando ao casulo e ajudando a me puxar. Minha sorte que tenho um pouco de espaço entre mim e os cipos. Eles acabaram me soltando para enrolar todo o corpo ao inves dos mebros separadamente. Mas, eles amarraram minha maos a frente do meu corpo. Minha segunda sorte é a de que os cipos proximos ao meu rosto nao estao bem colados e posso respirar quase normalmente.
O chiado parou agora que estou ao alcance de seja la o que for que esteja controlando essa coisa. Alguns minutos se passam ate que eu sinta o movimento parar. Estou pendurada de cabeça para baixo e sinto que o meu sangue esta concentrando em minha cabeca. Quase posso ve-la vermelha como uma pimenta. Tenho pouco tempo. Tento cuidadosamente , para nao chamar a atencao dos cipos, soltar uma de minhas maos. Como sou magra qualquer afrouxamento do nó e estou praticamente livre. Puxar. Esticar. Girar. Puxar. Est... O suor começa a descer por meu rosto por que de alguma maneira o casulo esta aquecendo. Puxar. Esticar. Girar. Minha cabeça começa a latejar e doer. Mal sinal. Puxar. Girar. Puxar. Um brilho no meu peito me chama a atencao. Meu colar de Overrun. Puxar. Puxar. Soltar. O suor acabou ajudando a escorregar minha mao para fora. Com ela afrouxo o outro nó e pronto, maos livres. Agora so falta o resto do corpo.
O colar ainda esta brilhando e me parece um bom sinal. Lembro que minha adaga esta pendurada no cinto ao redor do meu corpo. Nao sei como vou fazer para alcança-lo, mas tem que ser rapido. Sinto minhas maos ficando dormentes e a tontura chegando. Procuro rastejar minhas maos para cima lentamente, mas nao consigo fazer nenhuma das duas chegar proximo ao cinto. De repente, sinto algo molhado tocar meu couro cabeludo. Nao, nao. Preciso de mais tempo. A agua começa a jorrar de poros nos cipos e nao so da parte abaixo da minha cabeça. Chuva. Parece que esta chovendo aqui dentro. O liquido é quente e espesso, e nao tem um cheiro agradavel. A agua começa a cobrir meus olhos agora e sou obrigada a fecha-los. Pânico. Tento levar uma das maos para cima deseaperadamente. Nao tenho mais tempo para me preocupar com a porra dos cipós. Tum. Tum. Tum. A agua ja esta acima dos meus ombros e esta chegando rapidamente ao meio do casulo.
Uma das minhas maos encontra o cabo da adaga e eu a puxo. Puxar. Puxar. Puxar. Esta presa no tecido do cinto. O liquido ja esta quase nos meus joelhos. Puxar. Respirar. Engasgar. Falta pouco para que eu morra sufocada. Nao vou aguentar segurar por muito mais tempo. Puxar. Arrancar. Soltar. Consigo tirar a adaga do cinto, mas tem um ultimo esforço. Tirar a tampa. Tiro-a rapidamente e sinto meus membros começarem a formigar. Abro os olhos no meio do liquido esverdeado e la esta o brilho da adaga. Lanço-a para cima e quando ela atinge os cipos, eles se cortam.
A agua jorra imediatamente para fora e corto desesperada os cipos ao meu redor. Porém, eu nao estava pensando no que estava fazendo. Quando se em panico nossas atitudes sao desesperadas e as mais impensaveis possiveis. Foi bem isso que aconteceu comigo. Cortei ate onde pude sem pensar nas consequencias. Quando dei por mim ja estava caindo e estava em uma altura mais alta do que pensava. O casulo estava a uns 20 metros do chao. Nenhum cipo tentou vir atras de mim. Para falar a verdade, eles pareceram se afastar ao sentir a lamina da adaga. Estavam com medo. Nao esperavam por isso ja que esse lugar consome os poderes de tudo. Eu ja estava tonta, fraca e quando meu corpo entrou em contato com a massa fria fora do casulo, eu tive um choque. Faltavam 10 metros para a colisao e antes que minha consciencia se fosse, em cada segundo antes disso, eu so conseguia pensar nas asas de Jefferson tao macias e puras. Quase pude ouvir o som que elas faziam ao cortarem o ar. Em meio a dor, a exaustao, eu sorri. Entao, o mundo ao meu redor caiu na escuridao. Ou sera que fui eu?

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